Título: País não precisa de reformas, diz Setúbal
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 22/10/2010, Brasil, p. A5

O Brasil não precisa de reformas, ou, ao menos, essas não são prioritárias para sustentar o elevado crescimento econômico de 2010 pelos próximos anos. Melhor ainda: com pequenas alterações tópicas, como microrreformas setoriais, o país pode manter o ritmo de 7% de avanço do Produto Interno Bruto (PIB) por "um bom tempo". A avaliação não é de um integrante do governo, ou mesmo de um economista ligado à oposição, mas de Roberto Setúbal, presidente do Itaú Unibanco, o maior banco privado do país.

Presente em seminário promovido ontem pela americana Fletcher School, na sede da Fecomercio, em São Paulo, Setúbal se contrapôs ao discurso de Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington e Londres, para quem as eleições presidenciais que ocorrerão em dez dias "são fundamentais por decidir quem implementará as reformas estruturais, que são cruciais para nosso futuro".

Para Setúbal, grandes reformas, como a tributária, a trabalhista e a política, "param" o país, e não necessariamente servem para alterar "tanto" as relações no país. "Imagina uma reforma trabalhista? O Brasil iria parar para discussões intermináveis que, ao final, poderiam nem alterar tanto as coisas", disse. Segundo o banqueiro, reformas que necessitam de alterações constitucionais demandam muito do Congresso, engessando, com isso, medidas pontuais, que são mais efetivas. "Veja o caso da criação do crédito consignado, [que produziu] uma revolução em termos de crédito à pessoa física no Brasil."

Em relação à formação de grande maioria do governo no Congresso Nacional, após as eleições do início do mês, que daria ao governo a chance de aprovar reformas mais rapidamente, Setúbal apontou a miscelânea de partidos. "Há, de fato, uma maioria do governo, mas formada por muitos partidos. Não se pode dizer que o PMDB tem uma visão única sobre muitos assuntos, então essa maioria, dependendo do assunto, pode não existir. É um pouco ingênuo imaginar que o governo, com essa maioria, conseguiria aprovar qualquer coisa."

Passada a recuperação pós-crise econômica, o período que se inicia em 2011 é de desafios para sustentar o ritmo de crescimento. Para Pamela Cox, vice-presidente do Banco Mundial para América Latina e Caribe, o mundo ingressa num período em que a hegemonia política e econômica, exercida há mais de um século pelos Estados Unidos e os países europeus, continuará se enfraquecendo, enquanto a liderança geopolítica passa a ser exercida pelos países emergentes, tendo os integrantes dos Bric - Brasil, Rússia, Índia e China - à frente.

Para Pamela o Brasil "já é uma potência", ainda que esteja num ponto crítico. "O futuro não pode depender do crédito público, as empresas precisam inovar e ter mais produtividade, e o país precisa investir pesadamente em infraestrutura", afirmou.

O ex-embaixador Rubens Barbosa, no entanto, avalia que "mudanças profundas" precisam ser feitas para que o Brasil "exerça esse papel [de liderança global]". Segundo ele, a estratégia comercial adotada nos últimos oito anos pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, tendo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à frente, "foi errada" ao priorizar acordos multilaterais e não bilaterais. Além disso, elenca ele, o país precisa repensar as relações mantidas com países que não respeitam os direitos humanos - numa clara referência à aproximação entre a diplomacia brasileira e iraniana.

Para Setúbal, o país foi alçado à posição de destaque no noticiário mundial depois que a crise econômica derrubou as nações desenvolvidas, "enquanto nós continuamos na mesma", diz o banqueiro. Já Stephen Bosworth, que foi embaixador dos EUA na Coreia do Sul entre 1997 e 2001, quando assumiu a reitoria da Fletcher, o "Brasil ganha a dianteira, porque incorporou milhões de pessoas à classe média, algo que os brasileiros deveriam se orgulhar".

O ex-embaixador brasileiro chamou a atenção também para as empresas brasileiras que se internacionalizam. "Trata-se de algo que deve continuar a aumentar", disse Setúbal, "embora nosso setor seja mais devagar nesse processo de internacionalização."

Para o banqueiro, as empresas precisam se perguntar por que precisam ter operações fora. "O país cresce forte, o mercado consumidor está em clara expansão e as perspectivas são ótimas", disse ele, que, no entanto, ressaltou o caso do concorrente Santander, citado nominalmente. "O Santander tem operações no Brasil e em outros países. Se estivesse apenas na Espanha seria um problema neste momento", em referência à grave crise pela qual passa a economia espanhola. "Hoje, as operações do Santander em outros países são muito importantes", afirmou ele, para quem o país tem, em termos de governança corporativa, o suficiente para manter o atual ritmo de crescimento pelos próximos anos. "Se nada fizermos, ainda assim cresceremos forte no curto prazo", disse.