Título: PV fica independente e libera voto no 2º turno
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2010, Política, p. A9
A declaração pela independência do Partido Verde salvou a candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT) de uma aritmética desfavorável. Na avaliação de fontes internas do partido, a tendência a apoiar José Serra (PSDB) chegava a 65% dos convencionais e somente 35% ficariam ao lado do PT. Também pesou para esta decisão a determinação do PV de não se dissociar de Marina Silva. Já estava claro que a senadora, que obteve quase 20 milhões de votos no primeiro turno da eleição presidencial, não manifestaria seu apoio a nenhum dos finalistas.
A decisão da legenda - os cerca de 100 convencionais reunidos ontem em São Paulo levantaram o braço e exibiram seus crachás no momento de votar - libera seus integrantes para apoiar quem quiserem, desde que não usem as cores e o logotipo do PV. Só quatro pessoas ergueram o crachá para dizer que preferiam que o PV apoiasse um ou outro candidato - um deles foi o médico Eduardo Jorge, secretário do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo.
A decisão pela independência, coerente com a campanha de Marina por "uma nova forma de fazer política" - ou uma terceira via, segundo algumas análises - evita também a divisão do PV. Logo após o primeiro turno, o primeiro a declarar apoio ao PSDB foi Fernando Gabeira, candidato derrotado ao governo do Rio. Fábio Feldmann, candidato ao governo de São Paulo, também apoia Serra. Os diretórios do Distrito Federal e do Pará já se manifestaram pró-Dilma. O deputado federal José Sarney Filho (PV-MA) também.
Alfredo Sirkis, presidente do PV no Rio, contou como foram as conversas com o coordenador do programa de governo de Dilma, Marco Aurélio Garcia, e com senador eleito pelo PSDB por São Paulo Aloysio Nunes Ferreira e o coordenador da campanha de José Serra, Francisco Graziano, em torno às propostas da "Agenda por um Brasil Justo e Sustentável" que o PV divulgou depois do primeiro turno. "Não pedimos a Lua", disse Sirkis. "Mas consideramos humildemente que estamos no segundo turno (...) . E que nós levamos o programa a sério."
Ele relatou à plenária a reação de PT e PSDB às propostas do PV. Ambos encaminharam cartas ao PV onde, de maneira geral, declaram a convergência das propostas de seus partidos com o elenco verde. Sirkis sublinhou o fato de a carta do PT ser assinada por Dilma e a do PSDB pelo presidente do partido, Sérgio Guerra. Ao concluir, disse que a carta do PT "é, de fato, um texto mais programático". Alfinetou o documento do PSDB: "É extremamente superficial, uma lauda e meia que dá a impressão de ter sido feita com pressa."
Gabeira, que chegou atrasado, adiantou o futuro dilema do PV, se o partido conseguir crescer e enfrentar, algum dia, problemas como o célebre debate do enorme PV alemão, se deveria caminhar sozinho ao governo ou com outras forças políticas. Ele elencou as contribuições do PV a temas polêmicos como a descriminalização do aborto no país. "Podemos contribuir com a redução do aborto", começou, incentivando campanhas de informação a adolescentes e mais assistência pré-Natal. Ele também lembrou que o Brasil tem que começar a discutir, "no futuro próximo, a riqueza e a diversidade dos oceanos."
Marina falou ao final. Leu sua "Carta aberta aos candidatos à Presidência" -- "duas pessoas dignas", sublinhou. Ela se referiu à história republicana do Brasil, marcada pela dualidade nas disputas políticas, uma armadilha que PT e PSDB agora reproduzem. "A permanência dessa dualidade destrutiva é característica de um sistema politico que não percebe a gravidade de seu descolamento da sociedade. E que, imerso no seu atraso, não consegue dialogar com novos temas, novas preocupações, novas soluções, novos desafios, novas demandas, especialmente por participação política."
No final do evento, concedeu entrevista . Com bom humor, reagiu ao repórter do programa humorístico CQC, que lhe entregou um "sabonete verde para lavar as mãos". Marina passou o sabonete ao seu vice, Guilherme Leal, um dos sócios fundadores da Natura - "É ele quem entende disso". E reagiu à provocação: "Não é lavar as mãos", explicou. "Estamos inteiramente comprometidos com a oferta generosa que fizemos", disse. "Não ter optado por um alinhamento neste momento não significa neutralidade em relação aos rumos da campanha". Ao responder a outra pergunta, de passar à História como responsável pela derrota de um ou outro candidato, Marina recorreu à trajetória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "No passado, quando ele se candidatou, muita gente dizia que fazia o jogo da ditadura, porque estava dividindo as esquerdas. Mas não foi assim", lembrou. "Temos que construir a História progressivamente", prosseguiu. " E é o terceiro nome que possibilita a escolha."