Título: Aumento no compulsório é arma contra real forte
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2010, Finanças, p. C3

As eleições impedem que o governo tome medidas duras, mas necessárias, para conter a valorização do real. Essa é a visão do economista Paulo Sandroni, professor da FGV e consultor, que fez o programa de governo da candidata derrotada à presidência da República pelo Partido Verde (PV) Marina Silva. Ele ainda não decidiu quem apoiar no segundo turno.

Segundo Sandroni, o governo deveria de imediato aumentar os depósitos compulsórios dos bancos de forma a conter o crédito, que hoje está provocando "um superaquecimento do consumo". Com isso, conseguiria segurar as pressões inflacionárias sem precisar subir os juros, que, por estarem "nas nuvens", têm ajudado a atrair dólares ao Brasil em um mundo com taxas próximas a zero nos países ricos. Mas o governo não quer fazer isso por causa das eleições, avaliou Sandroni, em entrevista ao Valor. Abaixo, os principais trechos:

Valor: Qual a principal causa da valorização do real?

Paulo Sandroni: A nossa taxa de juros está muito alta em relação à internacional. O Japão acabou de reduzir os juros, que estão praticamente em torno de zero, nos Estados Unidos também está baixíssima, na Europa, a mesma coisa. À medida que essa taxa está no subsolo do porão e a nossa taxa está praticamente nas nuvens, essa diferença é um atrativo inevitável. Muita gente pode pegar dinheiro no mercado externo e aplicar aqui. A confiança que o pessoal tem hoje no Brasil é muito maior em função das reservas imensas que a gente tem hoje em relação às nossas necessidades.

Valor: As barreiras, como a ampliação nas alíquotas do IOF de 2% para 4%, são necessárias?

Sandroni: Isso é uma primeira coisa que deve ser feita. O governo fez e talvez isso tenha evitado que a situação piorasse. Agora, talvez só isso não seja suficiente, porque o dinheiro continua entrando. E precisamos evitar que isso continue prejudicando as nossas exportações. Temos de ter uma forma de baixar as taxas de juros. E com as ameaças de inflação, de surtos inflacionários, tendem a subir mais ainda.

Valor: Como baixar juros?

Sandroni: Há um mecanismo que pode ser usado até certo ponto para segurar a inflação sem subir a Selic que é elevar o compulsório dos bancos. A medida provoca uma restrição no crédito, pois é isso que está levando a um superaquecimento do consumo. Mas o governo não quis fazer isso porque é uma época eleitoral, e em uma época eleitoral é preciso dar a entender para as pessoas que a ampliação do consumo e a expansão do crédito vão durar para sempre, o que não é verdade. Em determinado momento vai parar.

Valor: As eleições mudam tudo...

Sandroni: Veja que essa medida de aumento do IOF veio só no dia seguinte às eleições. Eles não quiseram fazer antes para não prejudicar. Retardaram também o aumento da Selic em março porque o Serra ainda não havia lançado sua candidatura. Tem muito da conjuntura eleitoral que está impedindo que se tomem medidas duras, mas que são necessárias, e serão necessárias inevitavelmente, ganhe quem ganhar as eleições.

Valor: O senhor propõe então um aumento de compulsório já...

Sandroni: O compulsório é uma medida imediata. Apenas agora o compulsório está voltando ao que era antes da crise de 2008. Então, o governo pode aumentar um pouquinho. Dosar. Mas é claro os bancos não vão gostar nada disso, porque corta a rentabilidade deles. E o governo quer tudo menos hostilizar o setor financeiro. Especialmente agora que as eleições ainda não estão definidas. Então, eles deixam para depois. É inevitável. Veja bem, o governo Fernando Henrique fez isso, adiou a desvalorização do câmbio, o governo Lula fez isso no passado, está fazendo outra vez neste ano, adiando medidas que são necessárias, mas que prejudicam alguns setores. Nem a Dilma nem o Serra falam dessas medidas que precisam ser tomadas, pois não querem hostilizar ninguém. Eles precisam de votos.

Valor: Seria correto aumentar mais alíquotas de impostos?

Sandroni: Taxação é como as baionetas, você pode fazer tudo com elas menos sentar em cima. Tem um limite para a taxação. Mas, se o governo subiu de 2% para 4% o IOF, se quisesse dar uma outra puxada, talvez ele desestimulasse mais os investimentos especulativos de caráter financeiro que vêm se aproveitar da taxa de juros. Mas esse remédio tem um limite, chega um ponto que não tem mais efeito. Você tem de baixar a taxa de juros.

Valor: Quais outras medidas para baixar os juros?

Sandroni: No médio e longo prazos, tem uma estrutura que o governo precisa cuidar que é como reduzir os seus gastos para reduzir a necessidade de ir ao mercado buscar dinheiro para a rolagem de sua dívida. Então ele não pode continuar mais com esses programas de isenção fiscal e de anistia fiscal que são os Refis. O governo precisa cobrar as dívidas ativas junto ao setor empresarial, de cerca de R$ 700 bilhões. Poderia até securitizar essa dívida, para poder arrecadar mais no curto prazo sem afetar a estrutura tributária e se livrar da necessidade de ir a mercado a cada mês para rolar mais de R$ 40 bilhões. O governo precisa tomar atitudes agora porque senão isso não vai ser resolvido nunca, nós sempre ficaremos prisioneiros dessa maldita taxa de juros elevada.

Valor: Como seria a securitização da dívida das empresas?

Sandroni: A ideia seria pegar a dívida e lançar títulos dessa dívida no mercado. Isso exige cálculos tributários, medidas jurídicas, uma determinada mudança nas leis. Isso é médio prazo. Mas o governo tem de fazer isso. Caso contrário, ele vai estar cobrando uma dívida de R$ 700 bilhões, e o pessoal praticamente não paga, faz uma anistia fiscal por meio do Refis, e depois essas empresas ficam pegando dinheiro no BNDES a juros subsidiados. Eu desconfio que algumas empresas que entraram no Refis, principalmente grandes empresas, depois pegaram empréstimos com juros subsidiados no BNDES. É um subsídio às empresas que leva a um estouro da dívida pública. É uma verdadeira anistia fiscal para empresas grandes, que têm muito dinheiro e são lucrativas.

Valor: O que o governo obteria com a securitização?

Sandroni: O governo permite que a dívida seja paga a longo prazo, a juros baixíssimos. Ao securitizar, ele poderia ter arrecadação forte, não do total, digamos, mas de um terço da dívida, o que daria de R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões. Seria um reforço de caixa para ele não ter de recorrer tanto ao mercado e pressionar os juros para cima.