Título: Esquerda do PT preocupa estrangeiros
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2010, Política, p. A5

Apesar da calmaria nos mercados às vésperas da eleição, os investidores externos estão preocupados com as incertezas de um novo governo e têm vindo ao Brasil fazer perguntas.

Gestores de um grande fundo de pensão estrangeiro com investimentos no país apresentaram uma dúvida principal, em conversa com o Valor: há possibilidade de a esquerda do Partido dos Trabalhadores ter maior influência em um provável governo Dilma Rousseff?

Os administradores de fundos e presidentes de bancos estrangeiros demonstram preferência pelo candidato à Presidência pelo PSDB, José Serra, por considerar que ele promoveria um aperto fiscal maior. Mas acreditam que o mais provável é a vitória da candidata pelo PT, Dilma Rousseff. Têm acompanhado de perto as pesquisas eleitorais.

Após a ida de Serra ao segundo turno, os investidores estrangeiros procuraram mais informações a respeito do candidato, diz um executivo da área de risco a investidores estrangeiros. Os gestores dos fundos internacionais indagam como vai se relacionar o novo governo com o Congresso e se perguntam quem será o principal opositor às propostas do Executivo na Câmara ou no Senado. A grande fatia do Congresso nas mãos da coligação que apoia Dilma Rousseff é um fator tranquilizador para eles e um ponto desfavorável a Serra, que, certamente, enfrentaria mais oposição se fosse eleito presidente.

Há consenso, no entanto, de que Serra seria um melhor administrador de um aperto nas contas públicas e, por isso, seria capaz de promover uma queda mais rápida nas taxas de juros reais mantendo a inflação sob controle. Há quem atribua, inclusive, parte da alta de juros de longo prazo no mercado futuro neste momento a uma retomada da preferência de Dilma nas pesquisas eleitorais.

Um analista de risco para estrangeiros, no entanto, lembra que se 25% das promessas de campanha de Serra forem realizadas, a situação fiscal ficaria mais complicada. O candidato do PSDB prometeu elevar o salário mínimo para R$ 600, aumentar as aposentadoria em 10% e dobrar o Bolsa Família. Um gestor de fundo estrangeiro destaca que, apesar das promessas de campanha, a experiência tem mostrado que o candidato do PSDB e seus apoiadores costumam cortar gastos com mais rapidez e determinação do que os governantes do PT ou do PMDB.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é elogiado principalmente pelos presidentes de bancos estrangeiros. Os gestores de fundos destacam a importância da independência do Banco Central, obtida na prática, inclusive em relação ao presidente da República, e temem retrocessos. Serra, no entanto, por seu perfil centralizador, poderia querer interferir mais do que Lula ou sua sucessora na atuação do BC, dizem estrangeiros.

As condições gerais de governabilidade de uma presidente com menos experiência em funções importantes no Executivo, como Dilma, trazem inquietação. Afinal, os gestores de fundos e presidentes de bancos sabem que ela não tem a vivência de articulação política e capacidade de gerenciar interesses conflitantes do presidente Lula. Temem mais confrontos com os Sem-terra ou setores da oposição dentro do próprio PT.

Os gestores de fundos estrangeiros mostraram preocupação, também, de que se aprofundem os embates entre as alas consideradas mais intervencionistas da coligação governista e as alas mais favoráveis ao livre funcionamento do mercado. Se preocupam em saber de que lado Dilma vai se colocar nessas disputas, pois não conhecem a candidata. Dificilmente, acreditam eles, Dilma Rousseff terá tanta habilidade política para se manter acima das polêmicas, como Lula costuma fazer.

Por isso, a grande vontade dos estrangeiros em saber quem vai realmente ser o articulador político do novo Executivo. Os estrangeiros querem saber se o ex-ministro das Finanças Antonio Palocci voltará ao governo e em qual posição. Ele é conhecido - teve encontros pessoais com diversos investidores externos e banqueiros - e considerado especialmente bem-vindo.

A frouxidão fiscal é uma das maiores críticas ao governo atual e a maior preocupação com um governo Dilma Rousseff. Mas, como fez questão de frisar administrador de um grande fundo, essa maior leniência com os gastos públicos ainda não provoca aumento da percepção do risco de não pagamento da dívida, pois, afinal de contas, depois da crise de 2008, Estados de todos os países intervieram com mais força para evitar um tombo maior na atividade econômica. E a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto do Brasil está entre as mais favoráveis do mundo hoje.

Outra preocupação com relação à Dilma é o possível aumento do protecionismo no comércio exterior diante do aumento das importações e da redução nas exportações. A falta de infraestrutura e de mão-de-obra qualificada no país são pontos destacados pelos investidores externos que atuam no mercado de ações, de private equity - compra de participações em empresas para depois tentar vendê-las com lucro - e no investimento direto. Para eles, o novo governo, qualquer que seja ele, tem como desafio investir no melhoramento da infraestrutura e em educação, de forma que essas carências não se tornem um limitador ao crescimento econômico e à competitividade do país. Os gestores não acreditam que Dilma consiga fazer tudo o que tem prometido em obras de infraestrutura.

De uma forma geral, há conforto, pois os investidores externos e banqueiros acreditam que o câmbio flutuante, a política de metas de inflação e o superávit fiscal primário serão mantidos no caso da vitória de qualquer um dos dois candidatos.

Fundos que investem também em outros mercados emergentes, como a Índia e a China, elogiaram o ambiente legal e regulatório no país, mais estável e favorável ao investimento estrangeiro do que nesses países. Não mostraram preocupações com medidas como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) recentemente implantado no país, que, segundo eles, fazem parte do jogo e não são contraditórias com um regime de câmbio livre. (Colaborou Ana Paula Grabois)