Título: Estados criam conselhos para cercear a imprensa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/10/2010, Opinião, p. A14
Depois de uma investida fracassada na Conferência Nacional de Comunicação, convocada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começaram a surgir iniciativas estaduais para criar instrumentos de controle dos meios de comunicação. A Assembleia Legislativa do Ceará aprovou o projeto de indicação 72, de autoria da deputada petista Rachel Marques, que cria um Conselho Estadual de Comunicação Social vinculado à Casa Civil do governo. Suas linhas básicas são "monitorar", "orientar" e "fiscalizar" as atividades da imprensa local. O mau exemplo se espalha e as assembleias da Bahia, Alagoas e Piauí preparam a criação de entes semelhantes. Em São Paulo, está na Comissão de Justiça o projeto de resolução 7, de Edmir Chedid (DEM) para criação de um conselho vinculado ao Legislativo.
Na melhor das hipóteses, a criação desses conselhos pode dar cargos e duvidoso prestígio a quem deles necessita. Na pior, servir de instrumento de coação e perseguição de grupos majoritários a seus inimigos políticos no Estado, ou, ainda, à censura e a arbitrariedades contra os veículos de comunicação em questões religiosas ou morais, no sentido amplo.
A intenção do projeto aprovado no Ceará é clara - tentar fazer o papel da Justiça para coibir eventuais abusos cometidos pelos meios de comunicação. Em seu artigo 3º , inciso VIII, o projeto aponta como uma das missões do Conselho "monitorar, receber denúncias e encaminhar parecer aos órgãos competentes sobre abusos e violações de direitos humanos nos veículos de comunicação no Estado do Ceará".
O interesse dos deputados pelos meios de comunicação vai bem mais longe, até onde sua competência é duvidosa ou nula, com consequências nocivas à democracia. O inciso XIII do mesmo artigo reza que outra das funções do órgão será a de "implementar políticas de capacitação dos cidadãos para leitura crítica dos meios de comunicação nas suas diversas modalidades e para o debate da estética, dos conteúdos, da linguagem e das técnicas empregadas na produção das mensagens midiáticas".
Não é preciso ter passado pelas escolinhas stalinistas de parte da esquerda petista para entender que os professores do Conselho ensinarão aos cidadãos qual a leitura certa da mídia - a do poder - e a errada, a veiculada pelos meios de comunicação. É um reflexo condicionado de próceres petistas tentar desmascarar a "manipulação" da mídia toda vez que os escândalos sopram em direção a seus companheiros. Depositar as esperanças não na Justiça, mas em um conselho, é mais do que uma estupidez burocrática. É ignorar as consequências perigosas de seus atos.
As maiorias legislativas passam, as leis ficam. Um conselho do tipo do que está sendo criado é uma arma contra a oposição, qualquer que seja ela, e o PT age contra seus próprios interesses ao brincar com esse tipo de coisa. Dele, só poderá tirar um dúbio e temporário prazer de censor. Ao se aproximar do poder, alguns petistas parecem ter se esquecido de situações contra as quais lutaram e que ainda persistem. Uma delas é o poder das forças políticas dos coronéis do interior sobre a imprensa local e regional. Quanto mais atrasado um Estado, maior é esse poder e menor a possibilidade das vítimas de terem acesso à Justiça. É certo que os chefes políticos locais não precisam de um Conselho para agir com a arbitrariedade que se tornou costumeira na história do país. Entregar-lhe um conselho sancionado pelo povo, por meio de deputados estaduais, legaliza e facilita a perseguição política.
O projeto paulista, feito por um deputado do DEM e emendado por Gilmaci Santos, do PRB, não tem a pretensão de ensinar o povo a ler jornais, como o projeto cearense, mas exemplifica que é quase impossível escapar da interferência descabida quando está em jogo a liberdade de imprensa. Entre as competências do Conselho está, de acordo com o artigo 2º , a de "defender o interesse público junto aos veículos de comunicação de massa de âmbito estadual" e "estimular a organização da população e suas entidades na implementação de medidas em defesa do interesse público na área de comunicação".
Tudo o que o projeto cearense, já aprovado, e outros que estão a caminho determinam pode ser feito com os instrumentos legais já existentes. A criação de apêndices como os conselhos estaduais, com atribuições ilegais, tem o objetivo claro de cercear a liberdade de informação garantida pela Constituição.