Título: Demandas de Marina ficam fora de texto do PT
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Fonte: Valor Econômico, 26/10/2010, Política, p. A6
Na semana que antecede o segundo turno da disputa presidencial, a candidata do PT, Dilma Rousseff, divulgou uma nova versão de seu programa de governo, dividido em 13 compromissos. As propostas, genéricas, foram resumidas em cinco páginas e não apresentam metas nem prazos e não citam temas polêmicos que dominaram o segundo turno, como o aborto.
Os compromissos programáticos, apresentados ontem, foram relacionados em 13 temas e ocupam menos de um terço das 17 páginas de um caderno de programa de governo. Dilma participou de uma reunião fechada com dirigentes de partidos da coligação, em um hotel em São Paulo, para conversar sobre o texto final.
A candidata petista afirmou que as propostas são, na verdade, diretrizes. "Obviamente são [propostas] gerais, não são metas. Pode até se referir a números em um ou outro ponto, mas têm o sentido de diretriz", afirmou. Segundo Dilma, o documento foi uma sinalização aos partidos aliados para "garantir a governabilidade" em seu eventual governo. "Se Deus quiser e [se] eu for eleita, ele [o programa de governo] é a base da governabilidade, é o compromisso oficial entre nós", disse ontem, pouco depois de participar do encontro. Com a iniciativa, o PT pretende minimizar o descontentamento de aliados que reclamaram por não ter tido o mesmo espaço que os petistas na construção do programa.
As propostas foram apresentadas sem aprofundamento para evitar polêmicas como as que marcaram o primeiro texto registrado pela candidatura no Tribunal Superior Eleitoral, em julho. Naquele documento, estava prevista a taxação de grandes fortunas, a redução da jornada de trabalho e o controle social dos meios de comunicação, entre outros itens. Com a polêmica, o programa foi substituído por um outro, que defende a desconstrução "da cultura machista e patriarcal" e a "reafirmação do direito das mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente, dentro de um conceito de saúde pública".
O novo programa, divulgado ontem, não só descartou as polêmicas dos documentos anteriores como defende, na primeira proposta, a "garantia irrestrita à liberdade de imprensa, de expressão e religiosa". O tema "aborto" não é citado em nenhuma parte.
O eixo central dos "13 compromissos programáticos" é a continuidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse documento, as principais propostas apresentadas por Marina Silva (PV), terceira colocada na disputa presidencial, não foram incorporadas. Quase todos os itens referentes à temática ambiental defendidos por Marina ficaram de fora.
Segundo o coordenador do programa de governo, Marco Aurélio Garcia, "houve uma opção muito clara" da campanha por fazer um documento "sintético", para facilitar a leitura e a comunicação com os eleitores. Garcia explicou que esse texto será complementado por cadernos temáticos e informou que programas específicos de áreas como meio ambiente, educação e saúde estão prontos. Segundo o coordenador, esses textos já teriam sido "publicados no site do PT", mas até a noite de ontem não constavam nem no site do partido, nem no site da campanha de Dilma. A assessoria da candidata confirmou que esses documentos "ainda não foram divulgados".
É a primeira vez em que o PT disputa uma eleição presidencial sem um plano aprofundado de governo. Para o presidente do PT, José Eduardo Dutra, não importa "o tamanho do caderno" de propostas. "Nós fazíamos "teses" quando o PT não tinha experiência [administrativa] concreta. Agora é diferente", disse ontem.
Integrantes da campanha e a própria candidata evitaram responder a questões específicas sobre programa de governo, como política econômica. Sobre o tema, Dilma afirmou apenas que pretende manter "câmbio flutuante, meta de inflação e blindagem internacional", com uma "reserva de US$ 281 bilhões".
Entre dirigentes de partidos da coligação, é consenso que as propostas para política econômica não sejam detalhadas. Eles sinalizaram, no entanto, que o próximo governo pode mexer no câmbio. "Ninguém estabelece em programa de governo o que vai fazer com o câmbio. Não tem motivo para detalhar", comentou o presidente do PT. O presidente do PCdoB, Renato Rebelo, reforçou: "Na questão econômica não se pode entrar em detalhamento. No que é nevrálgico não adianta fazer anúncios, porque isso só gera mais confusão."
Entre aliados, a demora para a entrega do programa gerou reclamações. "Devia ter divulgado há muito mais tempo", disse o presidente do PCdoB. " Se tivesse politizado a campanha no primeiro turno, não teria dado margem a temas abaixo da linha de programa, como valores, como a moral", comentou Rebelo.
Há mudanças em todos os itens do texto do início da campanha e no divulgado ontem. Não há mais a defesa do aumento de recursos do Orçamento para as áreas de Saúde e Educação. Também sumiram as referências à simplificação de tributos, à desoneração da folha de salários, ao fim de "toda e qualquer tributação sobre o investimento" e a uma legislação nacional única para o ICMS com alíquotas iguais para os mesmos produtos em todo o país. O novo texto excluiu a "abertura dos arquivos" da ditadura militar e a "implementação da Comissão da Verdade".
Os "novos" compromissos, no entanto, mantiveram a defesa da "erradicação da pobreza absoluta", entre outros itens. O programa de governo defende a expansão do Bolsa Família para "a totalidade da população pobre" e a "erradicação do analfabetismo" (veja mais no quadro ao lado).
A apresentação do programa de governo pelos candidatos é obrigatória, devido a uma exigência da lei.