Título: Aposta no efeito do Ficha Limpa
Autor: Cavalcanti, Leonardo ; Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 18/07/2010, Política, p. 6/7

Entrevista: Ricardo Lewandowski

Presidente do TSE crê na efetividade da lei que pune políticos condenados por colegiados. Para ele, quem confia em liminares para concorrer assume o risco de acabar cassado

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, tem esperança de que o projeto Ficha Limpa seja mantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para as eleições deste ano. Toda lei apresenta lacunas, mas, no geral, o Ficha Limpa milita no sentido de propiciar a moralização dos costumes políticos, disse, em entrevista ao Correio na tarde de quarta-feira, em seu amplo gabinete. Na manhã daquele dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia elogiado a candidata do PT ao Planalto, Dilma Rousseff, em evento oficial. Na plateia, Lewandowski observava de forma atenta. O magistrado reiterou que a lei eleitoral não permite que governantes façam campanha em horário de expediente. Certamente ele responderá, eventualmente, pelos excessos que cometeu, disse o ministro.

Por conta repercussão das declarações feitas por Lula em favor de Dilma, optou-se por publicar as respostas sobre os elogios do presidente na edição de quinta-feira. Outros temas de relevância urgente para o eleitor, como o próprio Ficha Limpa e a reforma política, estão na entrevista abaixo.

O senhor está esperançoso em relação à Lei do Ficha Limpa? A lei está em pleno vigor. É possível que um ou outro aspecto dela venha a ser questionado futuramente, não apenas no STF, mas também no TSE. Isso é normal, porque nenhuma lei é perfeita. Toda lei apresenta lacunas, mas no geral é uma lei que milita no sentido de propiciar a moralização dos costumes políticos.

Há o risco de o STF entender que a lei não poderia entrar em vigor já em 2010? Teoricamente, esse risco sempre existe, mas a lei foi examinada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado, pelo TSE e pela Presidência da República. Portanto, quatro órgãos de grande expressão político-institucional já se manifestaram pela constitucionalidade. O STF vai dar a última palavra.

Quem foi condenado por órgão colegiado, cassado pela Justiça Eleitoral ou que tenha renunciado não poderá se candidatar de maneira alguma? Se tiver enquadrado em um dos dispositivos da lei nesses termos está impedido de se candidatar. Esse é o entendimento do TSE.

As liminares então não fazem sentido? As liminares são dadas quando há uma plausibilidade, quando o candidato corre o risco de sofrer injustiça. Agora, no TSE e no Supremo o número de liminares negadas foi maior que o de concedidas.

Um candidato ficha suja que hoje tem uma liminar que garante que ele participe da eleição corre o risco de, se eleito, ter o diploma cassado? Sem dúvida alguma. Se concorrer com uma liminar, ele pode se registrar, faz toda a campanha, mas por sua conta e risco. Se, futuramente, em decisão definitiva, chegar conclusão de que ele não teria o direito de concorrer, perderia o mandato. O Ficha Limpa aumentou o número de candidatos que podem correr esse risco.

Como vai ficar a regra da verticalização dos presidenciáveis na propaganda dos estados? Houve uma primeira consulta do PPS, respondida num determinado sentido, mas existem outras protocoladas aqui na Casa. Essa questão terá de ser examinada em agosto, sob os seus múltiplos aspectos, porque é complexa. Por enquanto, não há nenhum pronunciamento definitivo do TSE sobre a propaganda no que tange à verticalização, até porque as consultas são formuladas abstratamente e respondidas numa sessão administrativa. Elas não têm a mesma força que uma decisão proferida numa sessão jurisdicional, num caso concreto.

Depois de respondida a consulta do PPS, houve muita reclamação dos partidos e dos advogados eleitorais. O senhor vê disposição dos outros ministros em mudar a decisão inicial e por que rever essa questão, já que o tema já foi respondido? Foi respondida em termos abstratos, e não em casos concretos. Como existem outras consultas pendentes, entendemos que, dada a complexidade da questão e a repercussão que a resposta do TSE pode ter, seria conveniente respondermos todas as questões em conjunto.

Seria incoerente a Dilma não participar da propaganda eleitoral no estado de um petista ou o Serra não participar da propaganda de um tucano? Uma coisa é responder isso em tese. Outra coisa é responder isso à luz da legislação. O TSE ainda não respondeu definitivamente. Eu me permito apenas me pronunciar após a resposta do plenário. Tenho uma opinião isolada, que não representa a do plenário, que é composto por sete ministros.

Qual é o próximo desafio para o Congresso em relação à reforma política? Temos que disciplinar melhor a questão das doações para as campanhas. Num primeiro momento, me inclinei no sentido de entender que fosse o momento de adotarmos o financiamento público. Mas me deparei com o fenômeno representado pelas doações individuais na campanha presidencial norte-americana, que foram feitas por cidadãos e foram absolutamente cruciais para o sucesso e a vitória do presidente Obama.

Isso mudou a cabeça do senhor? Isso realmente mudou o meu pensamento no sentido de entender que as doações dos indivíduos, do cidadão, dos eleitores, representam um direito político. Talvez possamos evoluir no sentido de admitir as doações privadas, complementada com um percentual de dinheiro do fundo partidário.

Esse seria o principal ponto, para o senhor, na reforma política? Há outras questões importantes. Sou favorável ao voto distrital misto. O eleitor debate com o seu candidato numa circunscrição eleitoral menor. É possível uma aproximação maior do candidato, um debate de ideais, projetos e programas. Este é um modelo que deu certo nos países mais avançados em termos democráticos. É preciso discutir também a questão do voto facultativo. Eu não sou absolutamente favorável ao voto obrigatório, acho que não deve ser obrigação permanente. É algo transitório. Nesse momento histórico em que estamos, numa democracia em fase de amadurecimento, o comparecimento dos eleitores de forma maciça é importante para dar legitimidade aos eleitos.

Qual é o principal desafio para essas eleições de 2010? O grande desafio é que tenhamos uma campanha em alto nível, sem agressões pessoais, sem transgressões mais graves à legislação, onde se debatam ideias, programas e projetos.

Qual é a avaliação do senhor dessas duas primeiras semanas de campanha? Estou surpreendido pelo fato de que não tivemos incidentes mais graves. Estou antevendo uma eleição relativamente tranquila?

Mesmo com esse discurso do presidente Lula? Pode haver uma ou outra provocação de parte a parte, mas isso faz parte do jogo.

Como o senhor vê o voto biométrico? Esse é um grande avanço. Temos um milhão de eleitores registrados pelo sistema biométrico. Em 2017, segundo nossas previsões, todo o eleitorado estará cadastrado biometricamente. Isso vai dispensar a exigência que foi introduzida pela minirreforma eleitoral, de uma dupla identificação do eleitor. Agora, a lei prevê que, além do título de eleitor, ele apresente uma cédula de identidade com foto.

Essa exigência não vai confundir o eleitor e prejudicar as eleições? Isso sem dúvida é um fator complicador. Essa exigência não existia, mas o Congresso, considerando a dimensão do país, o número de eleitores, entendeu que é uma forma de evitar fraudes, equívocos, burlas. Então, é uma exigência que não é da Justiça Eleitoral, mas do Congresso Nacional.

O Congresso, ao avaliar isso, está colocando em dúvida as últimas eleições? Talvez nos rincões mais remotos do país, é possível que tenham acontecido problemas. E o Congresso deve ter buscado evitar esses problemas. Mas pela evolução natural do nosso sistema tecnológico, isso vai desaparecer completamente.

"Por enquanto, não há pronunciamento definitivo do TSE sobre a propaganda no que tange à verticalização, até porque as consultas são formuladas abstratamente