Título: Surpresa do 2º turno leva mercado a avaliar Serra
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 14/10/2010, Especial, p. A14

A dinâmica da eleição presidencial mudou. O discurso do mercado financeiro também. O segundo turno, surpreendente para escalões mais avessos às estatísticas, não está afetando preços de ativos, mas inspira tanta atenção que banqueiros, gestores de recursos e economistas têm na ponta da língua virtudes e defeitos do candidato do PSDB, José Serra, à Presidência da República já confrontados com a favorita Dilma Rousseff, candidata do PT. O Valor consultou dez executivos e quatro assessores do setor.

"Serra traz mais riscos macroeconômicos e profunda melhora microeconômica. Traz piora do tripé de política econômica, especialmente por ser crítico ao câmbio flutuante e ao regime de metas de inflação. Mas representa uma oportunidade de grande melhora fiscal porque ele tem plena noção do quanto custa fazer as coisas", afirma um graduado gestor de recursos.

Um banqueiro concorda que Serra tem mais compromisso com a questão fiscal e avalia que Dilma defende gastos do Estado. "Se o governo gastar para investir, tudo bem. Todo mundo fala dos gastos do governo [Luiz Inácio] Lula [da Silva], mas abertas as despesas, que aumentaram 2,5 pontos percentuais frente ao PIB de 2002 a 2010, nota-se que cresceram as transferências. É possível afirmar, portanto, que não houve uma gastança no pior sentido. Os gastos foram uma decisão política de distribuição de renda e isso ocorreu via Bolsa Família e reajustes do salário mínimo. Foram positivos. E o prêmio obtido pela decisão é a popularidade de Lula. Mas penso que o Serra poderia obter melhores resultados com os mesmos gastos", afirma.

Serra "tem peito para fazer um início de governo infernal", caso seja vitorioso em 31 de outubro, diz um terceiro executivo consultado pelo Valor. "Se eleito, Serra vai sair cortando gastos, embora tenha mostrado voluntarismo, acenando com aumento substancial do salário mínimo e das aposentadorias na reta final da campanha ao primeiro turno. Os reajustes por ele propostos são uma temeridade, inclusive, porque ele terá de dar um passo nessa direção no início do governo. Mas a capacidade de encontrar formas de cumprir as promessas não é técnica. É política. Ele terá de privilegiar alguns segmentos em detrimento de outros. É impossível? Não. Quem entende de Orçamento e sabe fazer conta acaba encontrando o dinheiro. Mas será viável? É bom lembrar que o Congresso já está eleito e a maioria é governista. Portanto, temos um problema aqui."

A incerteza com a gestão das políticas monetária e cambial de um governo Serra, que arrepiava o mercado até pouco tempo atrás ou antes de a candidata Dilma consolidar a dianteira nas pesquisas para o primeiro turno, ainda é reconhecida, mas agora atenuada. "Mexer no câmbio é inevitável. A Inglaterra está fazendo isso, a Suíça e o Japão também. A zona do euro ainda não se mexeu, mas vai se mexer porque assistimos a uma corrida de desvalorização", afirma um economista. Para outro, que também destaca a apreciação da taxa de câmbio no Brasil como uma questão global, o governo fez uma "brincadeira reveladora" neste mês ao elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações de estrangeiros em renda fixa.

Este economista calcula que apenas a aplicação de alíquota de IOF de 20% [e não de 4% como foi decidido] daria sentido à iniciativa de conter o ingresso de capital especulativo no país. "A decisão do governo, anunciada pela Fazenda menos de 24 horas depois da confirmação do segundo turno, foi uma decisão política para evitar um flanco vulnerável na campanha de Dilma. E se o IOF no câmbio continuar tendo um efeito pífio, a decisão será criticada pelo Serra que não hesitará em dizer que o governo Lula nada fez para evitar o fortalecimento do real, o que resultará em redução de empregos e de competitividade da economia brasileira".

Sobre a gestão da política monetária, os interlocutores do Valor consideram os dois candidatos à Presidência da República defensores da redução do juro. "O problema é o que fazer para conseguir isso. O certo é que não há espaço para aventuras", afirma um gestor de investidores internacionais que também resume a ideia de parte dos entrevistados quanto a relação do futuro governante com Banco Central: dificilmente o BC terá independência formal, seja quem for o próximo presidente.

Mas a autonomia operacional do BC, diz a maioria das fontes, deve continuar. Uma das fontes acredita, porém, que o grau de autonomia vai depender de quem será o novo titular na presidência da instituição e de quem estará no comando do Ministério da Fazenda. "É uma bobagem imaginar que o Serra não tem indicações respeitáveis para esses cargos. Ele tem", garante outro profissional.

Profissionais do setor financeiro ainda mesclam opinião com torcida quando focam a disputa do dia 31 e confessam ceticismo com a possibilidade de vitória do tucano. "A vitória do Serra é pouco provável. É opção "out of the money", de baixíssima probabilidade", comenta um tesoureiro de um banco brasileiro. Para outras duas fontes, é difícil Serra virar o jogo porque o favorito do primeiro turno sempre levou a melhor. Outro interlocutor explica que não se pode ter certeza sobre o vencedor do pleito. "As pesquisas são importantes até pela performance dos instituições de pesquisa no primeiro turno", alerta outra fonte.

A ida de Serra para o segundo turno surpreendeu positivamente a maioria dos interlocutores que considerou o primeiro turno ruim. "Sem proposta, com foco em jingles e num modelo de debate que não encanta mais", lamenta um experiente gestor que destaca "dúvidas" que, avalia, podem dificultar a previsão do resultado das urnas no dia 31. A primeira é sobre a transferência de votos de Marina Silva para o candidato Serra por não acreditar que a "onda verde" tem a simpatia de 20% dos eleitores brasileiros. A primeira pesquisa Datafolha sobre o segundo turno identificou que o tucano receberia 51% dos quase 20 milhões de votos dedicados à Marina no primeiro turno. A segunda dúvida manifestada pelo gestor refere-se a estratégia que PT e PSDB adotarão para "manter os eleitores perto das urnas no fim de semana de votação que será prolongado pelo feriado de Finados".

De olho em Serra, o setor financeiro arrisca prever que a vitória será de Dilma Rousseff porque considera difícil uma virada de placar entre um turno e outro. Não há ilusão, porém, de que o encerramento das apurações, no dia 31, inibirá especulações. Para um dos observadores, logo após o resultado haverá especulação sobre qual será a sua equipe, qual será o papel do ex-ministro Antonio Palocci, quem será o ministro da Fazenda, quem será o presidente do Banco Central. "Uma vez encerrada a campanha eleitoral, começará a campanha ministerial", avisa.