Título: Crescimento das vendas no varejo amplia descompasso com indústria
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 15/10/2010, Brasil, p. A4

O comércio varejista obteve, em agosto, o segundo maior avanço mensal do ano, de 2% em relação a julho, inferior apenas à alta de 3,1% registrada em janeiro. O forte desempenho do varejo em agosto se contrapõe à queda de 0,3% registrada no mês na produção da indústria de transformação, que desde o segundo trimestre não consegue acompanhar o ritmo de alta no comércio.

A resposta para esse descompasso, segundo analistas consultados pelo Valor, está assentada em dois pontos: os elevados estoques acumulados pela indústria no começo do ano e o aumento das importações de bens de consumo duráveis, cujo volume acumulado em 12 meses foi 14,8% maior em agosto na comparação com março, mês de pico de produção nacional.

O aumento de 2% verificado na Pesquisa Mensal do Comércio ampliada (PMC) em agosto sobre julho foi sustentada por elevações em todos os dez segmentos do varejo pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo o salto de 1,2% nas vendas dos hiper e supermercados, alimentos e bebidas, que representam metade da PMC, impulsionado o resultado geral - em julho, as vendas desse segmento foram apenas 0,2% superiores ao mês anterior.

Mesmo segmentos menos expressivos, como materiais e equipamentos de escritório, registraram em agosto uma alteração muito expressiva nas vendas, ao saírem de uma queda de 4,5% em julho para uma elevação de 1,3% no mês seguinte - um salto, em 30 dias, de quase seis pontos percentuais.

Em série construída pelo ValorData com dados do IBGE referentes à PMC e à produção industrial mensal, ambos com ajuste sazonal, os resultados de um e outro são díspares. Enquanto a produção industrial despencou entre outubro de 2008 e março de 2009, as vendas do varejo apresentaram um resultado muito mais suave, em igual período da turbulência econômica mundial. Ambos, a partir do segundo trimestre do ano passado passaram a crescer mensalmente, ainda que em diferentes ritmos, tendo o volume de vendas do varejo acelerado mais rapidamente que a produção da indústria. Essa, no entanto, encontra seu pico em março de 2010, oscilando, a partir de então.

"São dois os candidatos para explicar essa discrepância entre o varejo e a indústria", diz Constantin Jancso, economista do HSBC. Ele lista "os elevados estoques formados pela alta da produção verificada nos primeiros três meses do ano e a crescente entrada de produtos importados, que atrasam a retomada da produção", diz. O que ocorre hoje, avalia Jancso, é uma repetição, guardadas as proporções, do fenômeno desencadeado após a explosão da crise mundial, em setembro de 2008. A indústria, que até então ampliava fortemente os investimentos em novas fábricas, pessoal e produção, formou grandes estoques. "Os estoques, então, foram queimados no varejo, enquanto a produção mergulhava e algumas demissões eram feitas."

Para Fernando de Paula Rocha, economista da JGP Gestão de Recursos, houve "excesso de produção" no primeiro trimestre deste ano. Segundo explica Rocha, boa parte dos fabricantes industriais avaliou que as condições colocadas entre janeiro e março, quando ainda haviam incentivos fiscais a diversos setores e juros básicos em patamares mínimos históricos combinados com o reajuste de 9,5% no salário mínimo, produzindo um forte estímulo ao consumo das famílias. "A indústria, em boa parte, extrapolou aquela realidade para o resto do ano, aumentando muito a produção", diz Rocha, "mas muito consumo foi antecipado, então, quando houve um arrefecimento nas vendas do varejo, a indústria botou o pé no freio".

Ao mesmo tempo, as importações de bens de consumo registraram forte elevação. Segundo cálculo do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o volume importado de bens duráveis, como veículos e eletrodomésticos, cresceu 4,5% no primeiro semestre, e em bens não-duráveis, como alimentos e material de construção, a ampliação foi de 18,9% entre janeiro e junho

Na série elaborada pelo ValorData, com dados mensais de importação de bens de consumo duráveis acumulados em 12 meses, a elevação foi de 21,8%, em agosto sobre os 12 meses terminados em janeiro, sendo 3,1% em agosto sobre julho. O salto de 3,1% foi registrado também nas importações de bens de consumo não-duráveis, segmento que aumentou 13,6% as importações nos 12 meses encerrados em agostos em relação ao acumulado até janeiro. "Veremos a importação de bens de consumo continuar a crescer nos próximos meses", avalia Vale. "Com a taxa de câmbio tendendo à apreciação e o forte crescimento que temos é inevitável que essas importações disparem", afirma.

Os economistas, no entanto, avaliam que a produção da indústria deve voltar a registrar crescimento. "Ainda que não seja na mesma magnitude do varejo, os números da indústria vão melhorar. É uma questão de tempo para a produção voltar a crescer", diz Rocha, em referência à desova de estoques. Para Jancso, "quando os estoques começarem a cair, e como o varejo deve continuar crescendo fortemente, uma vez que a renda, o emprego e o crédito à pessoa física continuam em alta, a indústria vai acelerar a produção".

As importações, avaliam, continuarão crescendo, mas há um limite, ressalta Rocha: "Vamos importar cerca de US$ 200 bilhões neste ano, um recorde, mas ainda cerca de 10% do PIB. Como somos um país ainda fechado, mesmo com câmbio favorável, há um limite para a entrada de importados."