Título: Fed encara nova rodada de afrouxamento monetário
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Fonte: Valor Econômico, 15/10/2010, Opinião, p. A14

O Federal Reserve Bank (Fed) deve embarcar em nova etapa do "afrouxamento quantitativo", com a compra de títulos do Tesouro americano de médio prazo, e essa parece ser uma das poucas opções disponíveis para estimular a economia e afastar o fantasma da deflação, que já ronda os Estados Unidos há um ano. O Fed carrega o peso da responsabilidade de evitar o mal maior - a queda contínua dos preços - porque a alternativa de novos estímulos fiscais está praticamente sepultada. Os republicanos, ao que tudo indica, devem vencer as eleições legislativas de 2 de novembro e são frontalmente contrários à ideia.

Ao contrário do quase consenso sobre a necessidade do afrouxamento quantitativo, quando se tratava de socorrer um sistema financeiro à beira da falência e abreviar a forte recessão que se seguiu ao colapso dos bancos, agora há dúvidas sobre a eficácia de uma nova dose e até mesmo sobre sua correção. Os diretores do comitê de política monetária do Fed não estavam unidos nem convencidos da necessidade de despejar centenas de bilhões de dólares nos T-bonds, mas, a partir da reunião de setembro, se colocaram prontos para agir nessa direção. O convencimento se dá a golpes de realidade. A economia perdeu o ímpeto no terceiro trimestre, e não apenas nos EUA, o desemprego voltou a apontar para cima, os números ruins do mercado imobiliário não deram trégua e o ritmo de crescimento decaiu pela metade, de 2,7% no primeiro trimestre para 1,7% no segundo.

As perspectivas de futuro se tornaram sombrias. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê para o mundo desenvolvido, e também para os EUA, um crescimento menor em 2011 do que no medíocre 2010. Os mercados apostam na continuidade da política de juros perto do zero pelo menos até 2012. A desconfiança em relação ao futuro conflui com as agruras do presente para indicar que ainda há possibilidade de a situação da economia americana voltar a piorar.

A crise obrigou os consumidores americanos, cujos gastos movem 70% do Produto Interno Bruto (PIB), a fugir das dívidas e fazer algo a que estavam há muito desacostumados: poupar. Esse movimento é necessário, mas terrível no atual momento. De maio de 2008 a 30 de junho passado, eles quitaram US$ 473 bilhões em débitos. E, temendo pelo dia seguinte, estão economizando 6% da renda pessoal disponível, quando antes da crise esse número não passava de 2% e, por outras medidas, era negativo. Para piorar o cenário, as empresas estão fazendo a mesma coisa, ao terem a expectativa de baixo crescimento por um bom tempo. O avanço dos investimentos em tecnologia da informação e máquinas arrefeceu recentemente e estima-se que as companhias acumulam um caixa fantástico de US$ 1,4 trilhão.

A aversão corretiva aos gastos por parte dos consumidores se exprime em uma taxa de inflação muito baixa e bastante inferior ao intervalo com que o Federal Reserve trabalha informalmente (ao redor de 2%). A inflação corrente é pouco superior a 1% e o núcleo, medido pelos gastos pessoais, é inferior a 1%. O núcleo mensal dos preços no atacado em setembro foi de 0,1%. Os preços de bens importados pelos EUA caíram em setembro pelo segundo mês consecutivo.

Desemprego alto e a possibilidade de deflação, que voltou a subir e divide agora quase meio a meio os cenários dos analistas, empurram o Fed à ação. O objetivo é derrubar os juros de médio e longo prazos, que referenciam o mercado de hipotecas imobiliárias, entre outros - ampliar a capacidade de empréstimo dos bancos e estimular o consumo. Uma das consequências dessa política é a valorização dos ativos. A outra, se tudo der certo, é a volta da inflação. E ao manter a pressão baixista sobre o próprio dólar, melhorando a competitividade das exportações americanas. Mas isso provocou uma reação generalizada de intervenções defensivas nas moedas ao redor do globo, criando uma nova onda preocupante de instabilidade.

Há uma boa parcela de analistas que creem que a força de mais uma rodada de afrouxamento monetário é pequena, ou quase nula para tirar de casa consumidores endividados, com medo de perder o emprego ou já desempregados. A aposta do Fed, em suma, é tornar o dinheiro tão barato que será impossível não gastá-lo, forçando os preços a se moverem para cima. Mas, se a expectativa de inflação do consumidor for tão baixa quanto a do Fed, não terá motivos para ir às compras.