Título: PT incorpora-se às teias familiares do Congresso
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 11/10/2010, Política, p. A6

O PT e a a esquerda tradicionalmente aliada ao Partido dos Trabalhadores começam a tecer suas próprias teias familiares e patrimonialistas que condenavam nos partidos tradicionais, especialmente PMDB e DEM. É o que revela o mapa do parentesco político feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). O levantamento das dinastias eleitas e reeleitos mas eleições de 3 de outubro ainda é preliminar, mas traz algumas revelações surpreendentes.

No total são 80 deputados com vínculos familiares entre si ou com "outros nomes que já figuraram na elite política nacional", segundo o Diap. No Senado, a entidade encontrou pelo menos 13 "laços familiares confirmados entre os políticos". O PMDB, com 18 deputados, é o partido com o maior número de deputados com parlamentares ou ex-parlamentares no exercício de cargos políticos, seja no Legislativo como no Executivo ou mesmo no Judiciário. O DEM vem a seguir, com 12 deputados.

O Estado com maior grau de nepotismo é a Bahia, que enviou para a Câmara dez deputados com laços familiares reconhecidos. A seguir vem o Rio de Janeiro, com oito deputados, cujas ligações mais comuns são com a Assembleia Legislativa estadual e prefeituras municipais dominadas já há tempos por estruturas familiares, como Duque de Caxias. Alagoas, São Paulo, Rio Grande do Norte e Paraná veem a seguir, com cinco deputados.

A ocupação do espaço público por famílias é antigo, nem sempre possível de ser detectada em toda a sua extensão, mas vem crescendo desde a redemocratização. E depois que essas estruturas criar raízes, dificilmente conseguem ser arrancadas, como provam os exemplos levantados pelo Diap. O Paraná é um caso que parece remeter a uma quadrilha do poeta de Carlos Drummond de Andrade.

Nem mesmo o fato de integrar a coligação vitoriosa de Beto Richa (PSDB) ao governo do Estado impediu a derrota da candidatura do deputado Ricardo Barros (PP) ao Senado, nas eleições de 3 de outubro. Mas isso pouco ou quase nada mudou a estrutura de poder familiar na qual Barros está inserido no Estado. Sua mulher, Cida Borghetti, trocou uma cadeira na Assembleia Legislativa por outra na Câmara dos Deputados, em Brasília. E seu irmão, conhecido como Sílvio Barros Segundo, continua prefeito de Maringá, como foi o pai - do qual herdou o nome - nos anos 70. Cida já tem um irmão, José Borghetti, vereador em Curitiba.

A novidade, no Paraná, é a formação de novas teias políticas familiares, fora das estruturas tradicionais de poder, mais à esquerda e menos conservadoras, da qual os exemplos mais bem acabados são as eleições de Zeca Dirceu, filho do ex-ministro José Dirceu, para a Câmara, e de Gleisi Hoffmann, mulher do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, todos do PT.

O caso dos Barros/Borghetti não é uma exclusividade do Paraná, mas é um bom exemplo de como os partidos de esquerda ou ligados a essa banda do espectro político começa a aderir a antigos costumes da política nacional, como o patrimonialismo político e o nepotismo. Esta mudança fica visível no levantamento do Diap.

Segundo Antônio Augusto Queiroz, diretor de Documentação do Diap a "eleição ou reeleição de parentes reforça a tese de circulação no poder: em geral, parentes mais próximos como pais, filhos e cônjuges são herdeiros eleitorais uns dos outros e compartilham o mesmo perfil político e ideológico".

Os partidos com mais congressistas com laços de parentesco são o PMDB e o Democratas, com 18 e 12 parlamentares integrados a estruturas de poder familiar, respectivamente. Não é por acaso, segundo Ricardo Costa de Oliveira, professor de sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um cientista político que juntou a pesquisa sobre a captura do Estado pelo interesse privado com a genealogia - e encontrou uma trilha no tempo que vem desde as Capitanias hereditárias. Não por acaso.

De acordo com o sociólogo, a eleição de parentes vem aumentando desde o final do governo militar, final dos anos 1970, início dos 1980. "Foi quando se deu a última grande mudança da elite política no país", diz Oliveira. "Aí é que começaram todos esses quadros que ainda hoje estão no poder: o próprio Lula (o presidente Luiz Inácio Lula da Silva), boa parte dos dirigentes do PMDB, que depois vão para o PSDB, os governadores estaduais".

As eleições de 1982 para os governos estaduais, as primeiras depois do fechamento do regime militar, foram decisivas no sentido do realinhamento. As eleições progressivamente ficaram mais caras, tornando mais difíceis as condições de elegibilidade. Uma das formas de ingresso de um novato é já estar inserido numa estrutura política - no Paraná, o campo de estudo de Oliveira, foram eleitos oito novos filhos de políticos estaduais.

Considerando-se PT (4), PSB (5), PDT (4) e PCdoB (1), os deputados à esquerda com laços familiares com outros políticos devem somar 14, na próxima legislatura. No PT, já se configura um caso clássico de oligarquia em formação: os irmãos Viana, do PT. Primeiro Jorge ocupou o governo do Estado, enquanto o irmão Tião fazia carreira no Senado. Agora, os dois trocaram de posição. No Amapá foi eleito para o Senado João Capiberibe, que é marido da deputada federal Janete Capiberibe (a eleição do senador ainda está sub judice).

"Entre os estreantes há muitos filhos de políticos tradicionais", escreveu Queiroz no documento do Diap, dando razão à teoria de Oliveira sobre a importância da inserção dos novatos em uma rede para sua eleição. "De Alagoas virá o novato Renan Filho, filho do senador Renan Calheiros. Em Minas Gerais foi eleito o filho do deputado federal Virgílio Guimarães (PT), Gabriel Guimarães".

O enredo alagoano apresenta também outro personagem "com raízes": Rui Palmeira, cujo avô já fazia política no fim do Estado Novo, pela antiga UDN, e o pai Guilherme Palmeira governou o Estado e o tio, Vladimir Palmeira, foi um dos mais importantes líderes das rebeliões estudantis do final dos anos 1960. Guilherme foi da Arena e do PFL; Vladimir é do PT e Rui foi eleito agora pelo PSDB.

Curiosa é a situação da Bahia. O carlismo foi decretado morto nas eleições de 2006, com a vitória do petista Jaques Wagner ao governo do Estado. Nas últimas eleições Wagner voltou a impor uma derrota humilhante ao carlismo - os herdeiros políticos de Antônio Carlos Magalhães, ex-senador, ex-ministro, ex-governador, um dos principais oligarcas do país. Mas a relação dos deputados baianos eleitos mostra que o carlismo definitivamente sobrevive: há três deputados com o sobrenome Magalhães, entre eles ACM Neto com a maior votação proporcional do Estado (cerca de 325 mil votos).

A bancada ruralista também está com a família reforçada. Irajá Abreu (DEM-TO) fará companhia à mãe, a senadora Kátia Abreu, também do Democratas e presidente da Confederação Nacional da Agricultura do Brasil (CNA). O Diap registra que o levantamento não faz "juízo de valor". Apenas procura mostrar que "é inquestionável que o sobrenome ajuda na eleição, o que, por outro lado, não garante desempenho eficaz no exercício do mandato".

O professor Oliveira lamenta que não exista um estudo em cada Estado sobre os termos de reprodução de famílias em linhagens políticas. Para cada familiar no Senado e na Câmara, existiria um outro número grande nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Só no Paraná há três casos em que o pai é deputado federal e o filho deputado estadual. Reinhold Stephanes Jr. é filho do ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes (PMDB): Cesar Silvestri Filho é deputado estadual e o pai, Cezar Silvestri (PPS), federal. Pedro, filho do deputado federal Abelardo Lupion (DEM), um dos líderes ruralistas, também está na Assembleia Legislativa.

Para Oliveira, a solução é aquela pregada por todos: a reforma política. "Na atual fórmula você elege os Tiriricas, que não deixam de ser voto de protesto, e os profissionais que fazem campanhas caras, têm estruturas de poder dando suporte e redes de clientelismo".