Título: O beabá do paraíso e do caos
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 18/07/2010, Economia, p. 16

Analistas criam um abecedário próprio para definir o sobe e desce da economia. Na crise, Brasil fez o movimento em V

Nouriel Roubini, economista turco que, em 2005, previu a quebradeira global e foi chamado de louco, ganhou o apelido de Dr. Catástrofe por ter acertado em cheio. Em uma das dezenas de palestras que já fez ao longo deste ano, disparou: A Europa está enfrentando um duplo mergulho.

A frase, repetida à exaustão por tantos outros medalhões, ecoa pelo mundo assombrando a todos, mas também tem servido de inspiração. O fenômeno definido por Roubini e seus discípulos leva o codinome de W.

Economias que estavam no auge caíram em recessão e agora retomam o fôlego estão no centro das atenções. Boa parte dos analistas aposta que, depois da bonança, será inevitável o mergulho de determinados países até outra reação, o que empurraria para o futuro os patamares experimentados no início da sequência. Por causa da fragilidade fiscal de países como Grécia, Espanha e Portugal, a Zona do Euro estaria ameaçada de reviver agonias recentes como se estivesse prestes a submergir a qualquer instante.

W, V, L, U e até a raiz quadrada explicam o desemprego recorde nos Estados Unidos, os rombos nos orçamentos da Europa e a paralisia japonesa. Em outra medida, as letras do alfabeto e o símbolo matemático também ajudam a entender a recuperação do sistema financeiro, a exuberância dos emergentes e a reação das bolsas de valores. Contraditório? Sim, mas e daí? Se crise econômica provocada pelo estouro da bolha imobiliária americana em 2008 ficou para trás, o pânico e o otimismo, não. Ambos continuam sendo os sentimentos da moda.

Para justificar como as profecias do caos podem caminhar juntas com expectativas tão positivas, os teóricos da economia abusam das imagens. O V é o cenário mais otimista possível. A letra indica que, no ápice, o crescimento de um país despenca veloz e fortemente, mas se recupera na mesma velocidade e intensidade. Especialistas acreditam que Brasil, Rússia, Índia e China, os chamados Bric, estariam nesse cenário. Outros, porém, afirmam que não. Esses países estão em uma raiz quadrada.

O Brasil, por exemplo, caiu, subiu muito e vai crescer a taxas mais comportadas nos próximos anos, diz André Perfeito, economista da Gradual Investimentos.

As perspectivas de expansão da economia mundial feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) provam algum sentido.

Ainda abatido pela turbulência de dois anos atrás, o mundo rico crescerá menos do que os emergentes nos próximos anos. O diagnóstico tem grandes possibilidades de se confirmar, mesmo porque o comércio internacional continua em banho-maria influenciado pela gangorra dos preços das commodities (mercadorias com cotação internacional).

Diante dos cenários atuais, Perfeito acredita que o planeta poderá experimentar uma fase em L, quando a geração de riqueza experimenta uma queda livre do topo ao piso e estagnada vive um longo período de crescimento tímido ou de paralisia. A economia mundial desacelerou fortemente. A recuperação vai se dar de maneira muito gradual, completa o analista.

Sopa de letrinhas O impacto sobre o consumo e o fluxo de compras e vendas internacionais deverá ser influenciado pela incapacidade das locomotivas tradicionais arrancarem.

Caberá à China, à Índia e a mais duas ou três economias em recuperação entre elas, o Brasil ditar o ritmo global.

Dependendo da forma de como esse crescimento acontecerá, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial poderá viver um U, realidade na qual a atividade econômica afunda, patina por um determinado período, para só depois voltar aos trilhos e se expandir.

Se isso vai acontecer, ninguém sabe. Os radares dos grandes bancos e das agências de risco internacionais estão ligados à caça de outros Roubini ou de alguém que seja capaz de organizar a sopa de letrinhas.

QR code

Para ouvir a entrevista de André Perfeito, economista da Gradual Investimentos, fotografe o QR code acima com o software leitor de código de barras do seu celular e escolha o conteúdo multimídia desejado.

Caso você não tenha o programa, envie um SMS com a palavra QR para o número 50035. Você receberá um link para fazer o download gratuito do software. O custo do SMS é de R$ 0,31 + impostos. Só é preciso baixar o software uma vez. O Correio não cobra nada pelo conteúdo, mas, a cada vez que você o acessar, estará navegando na internet e pagará pelo tráfego de dados à sua operadora.

De olho nas razões do Copom O mercado vai olhar com lupa a ata da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que será realizada na terça-feira e na quarta, para só então reestimar o tamanho do ciclo de aperto monetário. Na reunião desta semana, as apostas convergem para um aumento de 0,75 ponto na taxa básica de juros (Selic), o que a elevará dos atuais 10,25% ao ano para 11%.

Esse será o terceiro aumento consecutivo desde que o BC deu início à escalada para conter a inflação, estimulada pelo superaquecimento da economia no primeiro semestre.

O cenário com que trabalhamos não mudou até o momento.

Ele já continha uma certa desaceleração da inflação, por conta dos alimentos, e também o arrefecimento do crescimento, observou o ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria Gustavo Loyola. O economista está convencido de que os dados divulgados não dão liberdade para o BC mudar a rota traçada de apertar os juros até ter certeza de que a inflação está convergindo para o centro da meta estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 4,5%.

A maioria dos analistas está na expectativa de novos dados.

Apenas alguns exagerados, que extrapolaram o cenário do primeiro trimestre para o ano e erraram, já refizeram suas projeções, avaliou. O ex-presidente do BC aposta em um crescimento econômico de 6,6% neste ano, em mais duas altas de 0,75 ponto percentual na Selic e em uma última puxada de 0,50 ponto, o que levaria a taxa a 12,25%. Para Loyola, o BC só mudará a trajetória traçada, para cima ou para baixo, se os novos dados da inflação vierem bem mais fracos ou fortes que o esperado.

Crescimento Mesma avaliação tem o economistachefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto. Ele acredita que o ciclo de aumento da Selic se encerrará quando atingir 3 pontos percentuais, o que deixaria a taxa em 11,75% no fim do ano. O crescimento da economia, que vinha intenso, está migrando para um ritmo mais sustentável, observou.Mesmo com a previsão um pouco abaixo dos demais, Campos Neto não refez suas estimativas.

Felipe França, economista do ABC Brasil, também acredita que ainda é cedo para o BC mudar de posição. Os dados que vêm saindo mostram uma desaceleração da atividade. Até a inflação veio melhor do que o esperado, mas o problema é saber se essa melhora é uma tendência ou apenas um suspiro, ponderou.

Segundo ele, ainda existe muita incerteza no cenário, principalmente no que diz respeito à crise europeia. Por isso, o ABC também trabalha com mais duas altas de 0,75 e uma de 0,50.

A convergência que os analistas demonstram para a reunião do Copom neste mês desaparece quando a estimativa tende para o longo prazo. Eles estão convencidos de que o aumento da taxa se manterá por mais algumas reuniões, mas não existe consenso sobre quando o aperto será abrandado nem se o último ajuste será feito pelo BC no terceiro ou no quarto trimestre.

Ritmo de alta deve reduzir

Depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) deste mês, a tendência será de queda no ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic). A opinião é do economistachefe da Prosper Corretora, Eduardo Velho. Muitos analistas acreditam que uma nova elevação de 0,75 em setembro perdeu força e que o Banco Central vai desacelerar o ritmo para 0,50 ponto, encerrando aí o processo ou, pelo menos, promovendo uma parada técnica até o final do ano, disse. Para que isso ocorra, na sua avaliação, é importante que a expectativa de inflação para 2011 comece a recuar antes da reunião de setembro. Para a Prosper, a probabilidade de um aumento mais moderado para a Selic em setembro ganhou terreno, mas ainda não é garantido.

Podemos ter um aumento de 0,50 em setembro e mais dois de 0,25 nas duas últimas reuniões, totalizando uma Selic de 12% em dezembro, disse Velho. O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é outro que acredita que o aumento da taxa pode ficar em 0,50 ponto em setembro. Daqui pra frente a sintonia é fina, sempre de olho nos novos dados que vão saindo, observou. (VC)