Título: Em debate, riscos fiscal e de crédito dividem economistas
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2010, Brasil, p. A3

A crise mundial, desencadeada nos Estados Unidos em 2008, não foi resultado de uma política fiscal frouxa, mas sim originada pelos excessos do sistema financeiro. Se quiser evitar problemas na economia, o Brasil não deve olhar para a política fiscal, mas para seu sistema financeiro - tendo o acelerado processo de concessão de crédito às famílias à frente. Esta é a avaliação de Nicolás Eyzaguirre, diretor do departamento que cuida dos países do hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI). A afirmação de Eyzaguirre veio depois de ouvir Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (1971), Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações (1998), Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central e atual economista-chefe do Itaú Unibanco, e Gustavo Franco, ex-diretor e presidente do Banco Central (1992-1999), afirmarem que o principal "erro" da política econômica está na condução fiscal. Presentes no seminário promovido pela revista inglesa "The Economist", ontem em São Paulo, cujo tema principal era discutir "se o sucesso brasileiro pode ser sustentável", economistas convergiram quanto a necessidade de apertos nos gastos públicos com salários e transferências, mas divergiram quanto a emergência do ajuste. Enquanto os economistas brasileiros, ligados ao governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso, aproveitaram o espaço para criticar a política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e apontar dúvidas quanto à sua sucessora, Dilma Rousseff, os economistas estrangeiros exaltaram o "momento histórico".

"O Brasil vive hoje um momento histórico, em que uma página é virada, após 16 anos de governos que se complementaram e transformaram o país", afirmou Javier Santiso, diretor de desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Depois, diz ele, com os eventos esportivos e as possibilidades de investimento em áreas como em educação e infraestrutura, "a economia brasileira tem tudo para crescer de maneira sustentável." Ao Valor, Santiso destacou que para o desenvolvimento previsto se realizar, "basta que os brasileiros não acreditem muito, porque sempre que um país latino-americano fica super confiante em si mesmo uma crise estoura".

Para os economistas, o "foco" para uma crise no país está no superaquecimento da economia. Para os analistas brasileiros, o superaquecimento decorre do rápido avanço dos gastos públicos. Já para Eyzaguirre, do FMI, as atenções da sociedade devem se ater à concessão de crédito às famílias, que ampliam o consumo e também o endividamento. "A crise mundial, que nasceu nos EUA, não ocorreu devido à política fiscal, mas graças aos excessos do sistema financeiro. É aí onde os holofotes precisam estar". Além disso, afirma Eyzaguirre, o país precisa estar preparado para "o momento em que os chineses reduzirem sua demanda por commodities, que hoje sustentam a balança comercial".

Além do forte ingresso de dólares oriundos das crescentes exportações de produtos básicos, o mercado de câmbio no país têm recebido capitais que buscam a elevada remuneração oferecida pelos juros básicos e operações na Bolsa de Valores. O governo brasileiro elevou, no mês passado, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para estrangeiros, medida que o diretor do FMI avalia como correta. "Nunca vi tamanho fluxo de capitais para os países emergentes em toda a minha vida. Nós, do FMI, não temos problemas com controles de capitais, mas eles não podem ficar isolados. É claro que o governo deveria apertar um pouco sua política fiscal", disse Eyzaguirre.

Segundo Pastore, haverá uma "acomodação natural" do crescimento econômico, que passará dos atuais 7,5% para algo como 4,5% em 2011 - ritmo que o economista avalia como "sadio", porque condizente com o Produto Interno Bruto (PIB) potencial, aquele que não gera inflação. Já Mendonça de Barros avalia que o país está no "limite de nossa capacidade", e, por isso, "já é possível ver espaços para alta inflacionária em todos os pontos". O economista, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, afirmou que "não acredita no governo Dilma".

Franco avalia que "certo aperto" fiscal ocorrerá em 2011, uma vez que os gastos feitos neste ano seguem o "ciclo eleitoral", ainda que, de maneira geral, "os dois últimos anos do governo Lula foram de gastos públicos muito elevados." Goldfajn, que, como Franco, foi diretor do BC e é professor da PUC-Rio, avalia que "o mundo, em crise, passa por momento deflacionário, mas o Brasil está na mão inversa".