Título: Só o Rio Grande do Sul descumpre limites da dívida
Autor: Lima , Vandson
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2010, Política, p. A9

O PSDB se articula para capitanear, no início do próximo mandato, as discussões pela renegociação da dívida dos Estados com a União. O partido terá o maior número de governadores a partir de 2011, oito - São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Alagoas, Pará, Roraima e Paraná - e esses tucanos eleitos se comprometeram com a causa. O PSDB busca agora interlocução com os outros partidos que conquistaram governos estaduais. Pelo menos um representante de cada sigla já foi procurado pelo tucanato. As conversas estariam adiantadas com os governadores reeleitos da Bahia, Jaques Wagner (PT), e de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

O plano do PSDB é abrir as conversas a respeito logo no início de 2011. Segundo o secretário geral do PSDB Nacional e deputado federal Rodrigo de Castro (MG), "a medida vai de encontro à rediscussão do pacto federativo e precisa ser feita no primeiro ano de mandato". No segundo ano, acredita Castro, o clima eleitoral imposto pelas eleições municipais impregnará as discussões, dificultando a negociação. Para o deputado reeleito Duarte Nogueira (PSDB-SP), é possível buscar um compromisso do governo federal já antes da posse: "O PT permanecerá no governo, que será de continuidade. Não tem motivo para deixar a discussão para o ano que vem. É uma pauta defensável, que independe da questão partidária".

Na segunda-feira, o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), saiu em defesa da renegociação da dívida e demonstrou que pretende liderar um movimento de governadores para pressionar a gestão de Dilma Rousseff.

O nível de endividamento de todos os Estados está dentro dos parâmetros estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Pela legislação, o limite da Dívida Corrente Líquida sobre a Receita Corrente Líquida deve ser de até duas vezes. Apenas o Rio Grande do Sul apresenta uma relação superior a esse limite, de 2,11, mas o Estado está dentro dos parâmetros da lei. As unidades da federação têm até 2016 para se enquadrar.

Ao renegociar a dívida, esses governadores pretendem ampliar o limite de endividamento para contratar mais empréstimos para investimentos. A principal demanda é alterar a forma como a dívida é corrigida. O índice usado é o IGP-DI, fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Em Santa Catarina, Estado que será governado pela oposição ao governo federal a partir de 2011, com Raimundo Colombo (DEM), está em debate a mudança do IGP-DI pelo IPCA. Na atual administração há uma proposta elaborada pelo Grupo de Gestores de Finanças Estaduais (Gefim) que previa a revisão do IGP-DI como índice de referência para a reposição da inflação. O plano chegou a ser levado ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) há cerca de dois anos, mas naufragou com a crise internacional que minguou a arrecadação do governo.

A dívida do Estado com a União, de R$ 9,7 bilhões, mantém um resíduo de R$ 2 bilhões a ser pago. A diferença, de acordo com Abel Guilherme da Cunha, diretor da dívida pública e investimentos da Secretaria Estadual da Fazenda, teve uma amortização maior nos últimos quatro anos em que a arrecadação do Estado teve crescimento de cerca de 15%. "No período de 1998 a 2010 a correção pelo IGP-DI é de 200%, enquanto pelo IPCA seria de 160%. Além disso, o IGP-DI está muito vulnerável a questões econômicas internacionais", disse.

Segundo o diretor da Fazenda catarinense, apesar de o IGP-DI projetado para este ano ser de 15%, no ano passado o índice teve deflação de 1,74%. Como o somatório de 6% de juros, os Estados pagaram algo próximo a 4%. "Tomar este ano como referência para o IGP-DI é um período muito curto para uma dívida que vem desde 1998", disse. Cunha disse que a proposta do Gefim também solicitava a redução dos juros de 6% para 4%. O argumento é de que as taxas praticadas por entidades internacionais estão muito abaixo das oferecidas no País. Como exemplo, ele citou a taxa Laibor, fixada em 2% ao ano.

Há manifestações favoráveis à proposta de mudança do indexador também em Estados que serão governados por aliados ao governo, como em Pernambuco. O governo do Estado disse que, apesar de ainda ter folga na capacidade de endividamento, uma eventual mudança no indexador seria "bem vinda". O secretário de Fazenda do Estado, Djalmo Leão, lembrou que o tema já foi discutido no âmbito do Confaz, onde se concluiu que utilização do IPCA poderia gerar uma "redução considerável" no custo das dívidas estaduais.

O passivo total de Pernambuco somava R$ 5,72 bilhões em agosto. Segundo Leão, nos últimos anos a dívida vem crescendo em ritmo bastante inferior ao da arrecadação, o que tem dado maior fôlego financeiro do Estado. De 2006 para cá, a arrecadação do ICMS cresceu 68%, enquanto que a dívida indexada ao IGP-DI avançou 26%.

"Para Pernambuco, essa questão não tem sido um tormento. Nossa capacidade de endividamento, que é de duas vezes a receita corrente líquida, está hoje em apenas 0,35", explicou o secretário. "Mas é claro que seria interessante se conseguíssemos reduzir as parcelas [da dívida]", completou.

A dívida dos Estados com a União não é mais um entrave ao investimento dos governos como foi nos primeiros anos após a implementação da LRF. A dificuldade que os governos enfrentam neste ano é que o IGP-DI, que corrige os valores da dívida, não será tão benéfico aos Estados como foi em 2009. O índice encerrou o ano passado com deflação de 1,43% e a correção da dívida foi feita apenas com a taxa fixa de 6%. Neste ano, o IGP-DI retomou trajetória de alta e atingiu 2,95% nos 12 meses encerrados em abril. O aumento não ameaça o pagamento do passivo com a União, mas é usado como argumento para a mudança do indexador.

Em Minas, o estoque da dívida do Estado está em R$ 57,8 bilhões, o que projeta uma relação com a receita corrente líquida de 1,7. Essa relação baixou um pouco em relação à média dos últimos anos, que foi de 1,8, em função do IGP-DI mais baixo em 2009, mas agora, como o IGP-DI volta a crescer, é possível que retorne ao patamar de 1,8. O desembolso anual previsto para 2011, em um orçamento de R$ 45 bilhões, é de R$ 2,8 bilhões.

No único Estado em que a relação dívida/ receita ainda é superior ao determinado pela LRF, a mudança do indexador da dívida estadual é vista com ceticismo. O governador eleito do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), disse que considera "interessante" substituir o IGP-DI , mas considera improvável qualquer revisão dos contratos assinados em 1998 porque a decisão cabe ao governo federal.

A dívida do Rio Grande do Sul com a União por conta da lei 9496/97, que autorizou o governo federal a assumir os passivos dos Estados registrados até o fim de 1994, e do Proes ¿ o programa de saneamento dos bancos estaduais, de 1996 ¿ somava R$ 33,8 bilhões no fim do ano passado, conforme a Secretaria da Fazenda.

O montante equivale a 91,3% da dívida total do Estado, que consumiu R$ 2,1 bilhões em serviço e amortizações no ano passado, ou 15,36% da receita líquida real do Rio Grande do Sul no período.

Já confirmado por Genro como futuro secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, o atual secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, defendeu a renegociação das dívidas estaduais quando comandou a mesma pasta no governo do também petista Olívio Dutra (1999-2002). Depois, já na Secretaria do Tesouro, ele foi contrário às mudanças.

Para o consultor de finanças públicas Amir Khair, alterar o indexador da dívida colocaria em risco a Lei de Responsabilidade Fiscal. "No passado, os Estados e a União faziam acordos com o prazo de 10, 20 anos e no fim desse período as regras eram quebradas para adiar o pagamento e beneficiar um ou outro Estado. A Lei de Responsabilidade Fiscal veio para proibir alterações nos contratos. Mudá-la seria abrir precedente", considerou. "Em todos os Estados caiu a relação da dívida sobre a receita. É a prova de que a lei está dando certo", disse.