Título: Para Unesco, teles e radiodifusão devem ter uma única agência
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/11/2010, Política, p. A12

O Brasil deveria concentrar a fiscalização e regulação dos setores de radiodifusão e de telecomunicações em uma só agência, e tirar do Congresso o poder de deliberar sobre concessões de rádio e televisão, sugeriram especialistas da Unesco, o órgão das Nações Unidas para cultura e educação, durante o seminário sobre "comunicações eletrônicas e convergências de mídias", promovido pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Ao abrir o debate, o ministro Franklin Martins, reiterou a disposição de deixar, ao próximo governo, um projeto de marco regulatório para o setor de comunicações. "Se não houver regulação, criação de mecanismos que entendam a importância da radiodifusão e sua importância social no país, ela será atropelada pelas telecomunicações", disse Martins, ao defender a nova regulamentação como uma decorrência inevitável da convergência de tecnologias digitais de transmissão de dados, sons e imagens. "Será atropelada por uma jamanta", enfatizou, comparando o tamanho do setor de telecomunicações, que faturou cerca de R$ 180 bilhões no ano passado, com o de radiodifusão, que calcula ter faturado em R$. 13 bilhões.

Franklin criticou a falta de regulamentação em artigos constitucionais sobre pontos como exigência de conteúdo local, e ironizou a falta de transparência da legislação, que permite a senadores e deputados manter canais de TV apesar de proibidos pela Constituição. Os representantes da Unesco no seminário fizeram, de maneira mais branda, críticas semelhantes. Martins disse acreditar que a futura presidente, Dilma Rousseff, deverá reabrir a discussão sobre o tema, a partir do anteprojeto que receberá.

No encontro, especialistas europeus relataram a experiência com mecanismos de controle de conteúdo e regulação dos mercados de telefonia e comunicação audiovisual na União Europeia e os casos particulares de Portugal e Espanha. O presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de Portugal, José Alberto de Azeredo Lopes citou, entre os principais casos de intervenção no mercado, a sanção à revista "Focus" por uma matéria preconceituosa contra a mulher brasileira, e a proibição do maior grupo de mídia impressa local, o Ongoing, de comprar parte da Media Capital, usando, entre as razões, o risco de redução do mercado de trabalho dos jornalistas.

Mesmo no caso de sanções por conteúdo improprio, o regulador só age "a posteriori", nunca censura material previamente, ressalvou Azeredo. Também o diretor da Unesco Wijayananda Jayaweera afirmou que em nenhuma hipótese se considera aceitável que organizações da sociedade civil intervenham diretamente na linha editorial das publicações jornalísticas, ou na independência editorial, como temem as empresas com base em pronunciamentos de organizações não governamentais no Brasil. É praticamente consenso entre os especialistas -e nas regulações dos países - a obrigação, para os veículos audiovisuais, de garantir pluralidade de manifestações culturais, espaço mínimo para produção independente e a local.

O consultor da Unesco Toby Mendel, da ONG Centro de Direito e Democracia, apresentou estudo da Unesco sobre o setor audiovisual no Brasil e defendeu regras para garantir não só a liberdade de produção de conteúdo na midia, mas liberdade de obter informações diferenciadas, o que exigiria atuação do estado sobre o mercado. O melhor sistema de regulação de conteúdo seria algo na linha adotada na Austrália, em que o agente regulador estabeleceu prazos para que o setor privado criasse um mecanismo de auto-regulação, e interveio somente quando os mecanismos sugeridos pareceram insuficientes para garantir princípios básicos, sugeriu ele.

Franklin Martins, após defender enfaticamente a liberdade de imprensa, fez um pedido, para que se deixassem de lado os "fantasmas" e preconceitos que, segundo acredita, impedem o debate do tema. Foi ouvido com desconfiança por representantes do setor privado. "Muito do que se disse sobre conteúdo de midia para a Europa é semelhante ao que temos aqui, sobre tabaco, proteção às crianças", comentou o diretor-geral da Abert, a associação das emissoras de rádio e TV, Luis Alberto Antonik. "mas temos efetivamente muitos fantasmas, que decorrem de propostas como no Ceará, onde falam em dar "orientação" à imprensa local". O diretor da Associação Nacional dos Jornais Pedro Tonet levantou dúvidas sobre a necessidade do novo marco regulatório e disse ver "setores da sociedade" tentando "tirar fantasmas do sótão, para atacar a liberdade de expressão". Ele disse não acreditar em mudanças para censurar a liberdade de imprensa, porém. "Essa ideia de controlar conteúdo não se materializará, não tem amparo na Constituição", argumenta.