Título: Disputa pelos votos do Entorno
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Fonte: Correio Braziliense, 18/07/2010, Cidades, p. 25

Moradores de cidades goianas que votam no DF podem decidir a eleição de outubro. Os candidatos da capital sabem disso e traçam est|ratégias para conquistar os cerca de 120 mil eleitores

Dispersos em pelo menos oito municípios do Entorno, entre 100 mil e 120 mil eleitores com endereço em Goiás vão influenciar o resultado das eleições do Distrito Federal. Trata-se de um contingente populacional que não aparece nas pesquisas de opinião, mas vota nos candidatos da capital do país e pode decidir uma disputa polarizada como a de outubro. São pessoas carentes de serviços básicos, como saúde, segurança, educação, moradia, transporte e emprego que apostam nas políticas públicas desenvolvidas pelo Governo do DF. Com tantos votos, podem ainda eleger cinco deputados distritais.

No pleito de 2006, cada vaga na Câmara Legislativa foi conquistada com cerca de 20 mil votos.

Os dados sobre a quantidade de eleitores foram levantados, com outros indicadores da região, por uma equipe técnica a pedido do governador Rogério Rosso (PMDB), durante sua gestão como presidente da Companhia de Desenvolvimento do DF (Codeplan). Os moradores do Entorno já representam cerca de 7% do eleitorado total que vai definir o novo governador do Distrito Federal. Não à toa, os candidatos estão de olho nesse mar de votos nas cidades vizinhas.

São os moradores de municípios como Águas Lindas, Cidade Ocidental, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso, as mais próximas do centro de Brasília, que têm a vida mais associada ao DF.

Nessa região, entre os candidatos ao Buriti, Joaquim Roriz (PSC) está em vantagem.

Pesquisas usadas na campanha do ex-governador do DF indicam que ele é o favorito a conquistar esses votos em decorrência de dois fatores principais: o recall de outras eleições e de seus quatro governos, além da grande quantidade de aliados na região, como os prefeitos de Planaltina, José Neto (PSC), e de Luziânia, Célio Silveira (PSDB).

Roriz poderá fazer uma campanha casada com os dois candidatos a governador de Goiás. O ex-prefeito de Goiânia Íris Rezende (PMDB) integra o partido da coligação encabeçada por Agnelo Queiroz (PT) e apoia Dilma Rousseff (PT) na corrida presidencial. Ele esteve, inclusive, na inauguração do comitê de campanha da petista no Setor Comercial Sul, na semana passada, ao lado de Agnelo. Por meio dos presidentes da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), vice de Dilma, e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), Íris será cobrado a manter fidelidade aos propósitos nacionais da aliança entre PT e PMDB em detrimento de arranjos regionais.

Relação histórica Mas Íris é um dos políticos mais afinados com Roriz. A relação é histórica.

Além disso, o vice na chapa de Íris é o deputado Marcelo Melo (PMDB-GO), que tem base eleitoral em Luziânia, cidade natal de Roriz, e onde ele mantém a Fazenda Palma. Melo é considerado no PMDB um dos mais próximos parceiros do ex-governador. O irmão de Marcelo Melo, Eliseu Melo (PMDB), é o vice-prefeito de Luziânia, numa aliança costurada por Roriz. O prefeito do município, Célio Silveira, por sua vez, é o coordenador da campanha do senador Marconi Perillo (PSDB), que polariza a eleiçãocom Íris em busca do governo de Goiás.

De acordo com pesquisas, Perillo tem uma força grande no Entorno, o segundo colégio eleitoral de Goiás. Parte da influência política na região é atribuída a parcerias que o tucano fez com Roriz em seus dois governos e durante a gestão de José Roberto Arruda (sem partido).

Em novembro do ano passado, pouco antes da Operação Caixa de Pandora, Perillo começou a perigrinar em eventos nos municípios do Entorno ao lado de Arruda, com direito a discurso e carro de som, para anúncio da realização de convênios entre o GDF e as prefeituras a fim de custear serviços de saúde. Os dois políticos Arruda, então pré-candidato à reeleição entregavam um cheque em tamanho gigante como símbolo do repasse de recursos em palanques montados nas principais cidades.

Rosso, que se preparava para ser candidato a deputado federal, também acompanhava as solenidades, assim como o então secretário de Fazenda, Valdivino de Oliveira (PSDB), que pretendia concorrer a uma vaga na Câmara Federal.

Aliado de José Serra, Perillo terá dificuldades para se contrapor à campanha de Roriz no Entorno. O máximo que os petistas poderão buscar dele é a neutralidade.

Não seremos hostis a Perillo, afirma o deputado Tadeu Filippelli (PMDB), vice na chapa de Agnelo. O eleitorado do Entorno é uma preocupação para o PT.

O partido montou um grupo de trabalho para discutir uma linha de ação na região, comandado pelo presidente regional do partido, Roberto Policarpo.

Roriz sempre deu importância estratégica à política no Entorno, onde surgiu como liderança em Luziânia. No ano passado, quando começava a surgir como opção para as eleições de outubro próximo, ele lançou a proposta de incorporar ao território do Distrito Federal todas as cidades vizinhas, triplicando a área do DF, que passaria de 5,7 mil km² para 14 mil km². Seria, segundo esse projeto, uma forma de assumir a gestão de políticas dos moradores da região, o que acarretaria aumento dos repasses federais do Fundo Constitucional do DF na mesma proporção. Uma ideia como essa precisa de aval do Congresso Nacional.

Segundo a assessoria de Roriz, a intenção do ex-governador é discutir a possibilidade na campanha e lançá-la em seu eventual governo para debate por meio de plebiscito.

Entre os moradores do Entorno, a sugestão é bem aceita por significar, em tese, uma melhoria da qualidade de vida nesses municípios.

Incorporação

A proposta prevê a incorporação pelo Distrito Federal dos municípios de Novo Gama, Valparaíso, Cidade Ocidental, Águas Lindas, Santo Antônio do Descoberto e Planaltina de Goiás.

Essa mudança não altera a situação política do Distrito Federal, que permanece indivisível, ou seja, os municípios goianos serão transformados em regiões administrativas sem prefeitos, com gestores nomeados pelo governador do DF. Para evitar a cassação de parte do mandato dos atuais prefeitos, o projeto prevê que a alteração só entre em vigor a partir de 1º de janeiro de 2013. As dívidas das prefeituras relativas a empreendimentos e obras serão transferidas para a União.

Quando temos o documento registrado em outro lugar, precisamos prestar mais atenção nos candidatos de lá Maria Ignez Vieira de Albuquerque, moradora de Valparaíso.

Tema controverso

Por isso, o tema é controverso.

Perillo, por exemplo, é contra, mas evita falar abertamente sobre o assunto.

Não quer desagradar à população do Entorno, especialmente em período eleitoral. Arruda também era contrário à proposta quando comandava o DF. A região sempre esteve entre sua área de influência e é dele, em parceria com o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), o projeto que criou a Região Integrada de Desenvolvimento do Entorno (Ride).

Apesar da rejeição à proposta, Arruda sempre evitou tratar explicitamente do tema. Filippelli é autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que trata da incorporação do Novo Gama, de Valparaíso, da Cidade Ocidental, de Águas Lindas, de Santo Antônio do Descoberto e de Planaltina de Goiás ao Distrito Federal.

O projeto, no entanto, está longe de conseguir aprovação. O petista Agnelo Queiroz é cauteloso ao tratar do tema. Ele não afirma ser contra, nem a favor do mérito da questão.

Mas sustenta que o melhor caminho é outro: a criação da região metropolitana de Brasília, que daria liberdade de atuação em parceria dos governos do DF e de Goiás, com apoio do governo federal, sem precisar mudar o mapa. Incorporar um território novo e mudar fronteira é algo praticamente impossível, porque teria de passar pelo Congresso diversas vezes. Será muito mais rápido e fácil criar a região metropolitana, que gera maior agilidade administrativa, entrosamento e barateamento do custo de transporte, diz Agnelo.

É de olho em eleitores como a moradora de Valparaíso Maria Ignez Vieira de Albuquerque, 44 anos, que os partidos tratam com muito cuidado a disputa por esses votos. Ignez transferiu o título para o Distrito Federal este ano a fim de ajudar uma amiga a se eleger deputada distrital. Segundo ela, é um transtorno andar mais de 30km para chegar em Samambaia e confirmar o voto na urna eletrônica.

Mas ela garante que vale a pena.

Ainda não sei em que vou votar para governador e para os outros cargos. Quando temos o documento registrado em outro lugar, precisamos prestar mais atenção nos candidatos de lá, o que dificulta um pouco. Mas é tão perto, não tem problema, explica. Os pais de Maria Ignez têm mais de 60 anos e não pretendem mais participar do processo eleitoral este ano. As pessoas têm que se interessar pela política. Hoje em dia, tudo é política na vida, acredita.