Título: Divergências profundos abalam a esperança de progressos em Seul
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Fonte: Valor Econômico, 11/11/2010, Especial, p. A 14
Os governos do G-20 reduziram as expectativas de um grande avanço na solução dos desequilíbrios econômicos mundiais na reunião de cúpula de seus líderes nesta semana em Seul, após nítidas divergências terem emergido nas discussões sobre câmbio e déficits em conta corrente.
Na quarta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reiterou a necessidade de os países com superávit em conta corrente - uma categoria que inclui a China e a Alemanha -, aumentarem a sua demanda doméstica, em vez de depender das exportações para se recuperar.
Um plano acertado numa reunião dos ministros das Finanças do G-20 em outubro "obriga-nos, a todos, que pratiquemos políticas para reduzir o risco de que os desequilíbrios externos insustentáveis ressurjam", afirmou Obama, antes de chegar a Seul.
Mas especialistas disseram que o encontro terminará sem um roteiro claro sobre como chegar a este objetivo.
Eswar Prasad, ex-alto funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI), disse: "A cúpula enfatizará as áreas de acordo geral, mesmo sem especificidades, e varrerá para baixo do tapete referências a áreas onde há fraturas profundas no G-20".
Uma proposta lançada no mês passado pelos EUA visando estabelecer metas numéricas ou "balizamentos indicativos" para os desequilíbrios em conta corrente está sendo posta de lado "neste jogo, para evitar contusões". Ao evitar um confronto aberto com a China, Washington está praticando um jogo de longo prazo, avaliando que as pressões podem ser contraproducentes para o debate interno em andamento em Pequim.
O Banco do Povo da China, banco central chinês, mostra-se fortemente favorável a admitir uma valorização do yuan e mais aberto à ideia de estabelecer metas em conta corrente, mas neste momento outras vozes no governo chinês estão predominando. Ninguém pode saber por quanto tempo isso persistirá, nem mesmo a Casa Branca.
Por ora, os EUA tiveram de lidar com um contra-ataque de Pequim e de Berlim, que nesta semana investiram contra o Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) pela flexibilização ainda maior de sua política monetária, que, segundo alemães e chineses, está agravando os desequilíbrios e desestabilizando a economia mundial.
Wolfgang Schäuble, ministro alemão das Finanças, descreveu provocativamente a política dos EUA como sendo "inútil", despertando surpresa e preocupação entre algumas autoridades do G-20, especialmente tendo em vista que, em geral, ministros de Finanças se abstêm de comentar decisões de seus próprios bancos centrais ou de outros países.
Mervyn King, presidente do Banco da Inglaterra (o BC britânico), disparou na quarta-feira o que pareceu uma crítica velada à China e à Alemanha, ao afirmar durante uma entrevista coletiva em Londres: "Espero que na reunião do G-20, neste fim de semana, ouçamos uma mensagem de cooperação, em vez de algumas daquelas que temos ouvido nos dias e semanas recentes".
Ousmène Mandeng, um ex-funcionário do FMI agora na Ashmore Investment Management, em Londres, expressou a frustração de muitos analistas com o desempenho insatisfatório do G-20. "O objetivo parece ser baixar as expectativas", disse ele. "Mas, será que deveria ser assim? Neste momento, a expectativa seria de que o G-20 precisa demonstrar liderança".
Ainda nesta semana, Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial, surpreendeu muitos observadores com a sua sugestão de que as cotações das moedas deveriam ser determinados com base no ouro. Assuntos monetários são, em geral, "jurisdição" da instituição irmã do Banco Mundial: o FMI.
"[O plano de] Zoellick, uma proposta errada da instituição errada, creio, ilustra haver bastante apetite para ideias, mas que também há um vácuo na liderança por ideias", disse Mandeng.
Em outras áreas, ações estão sendo adiadas ou parcialmente implementadas pela maioria dos países. É provável que o G-20 adie as decisões sobre se as grandes instituições financeiras devem ser obrigadas a reservar mais capital, dada sua ameaça ao sistema financeiro, e pessoas familiarizadas com o processo dizem que muitas decisões estão sendo deixadas para as agências reguladoras nacionais.
No terreno comercial, embora o comunicado final do G-20 provavelmente venha a incluir a tradicional exortação por uma conclusão da Rodada Doha de negociações comerciais multilaterais, os negociadores brasileiros e indianos disseram que não cederão terreno aos Estados Unidos para chegar a um acordo.
Recentemente, a União Europeia (UE) melhorou consideravelmente o acesso preferencial que oferece às exportações dos países pobres, ao relaxar as chamadas "regras de origem", que determinam o índice de nacionalização necessário para que um produto seja considerado como sendo produzido em um determinado país. Mas outros países já se recusaram a oferecer mais concessões.
A cúpula trará algumas boas notícias, entre elas a reforma da governança no FMI, que dará às economias emergentes mais votos e mais assentos no conselho executivo do Fundo. Mas esse acordo foi celebrado no G-20 semanas atrás e confirmado pelo conselho do FMI na sexta-feira, de modo que será um êxito a ser comentado, no entanto não uma novidade.