Título: Argentina volta a atrair investidores
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 09/11/2010, Internacional, p. A9

Esqueçam o maior calote da história e a permanente crise política. Em tempos de extrema liquidez financeira e de aposta nos mercados emergentes, a Argentina se tornou a namorada mais recente dos investidores financeiros. A Bolsa de Valores de Buenos Aires, apesar da queda de 0,7% no pregão de ontem, bateu 12 recordes seguidos de alta até sexta-feira. Os negócios com ações locais ultrapassaram a barreira de 200 milhões de pesos (US$ 50 milhões) nos últimos dias - volume ínfimo se comparado ao da Bovespa, mas que praticamente quadruplica o registrado há apenas um mês.

O risco-país chegou a ficar abaixo de 500 pontos, patamar que não alcançava desde março de 2008, quando eclodiu a crise do campo com a presidente Cristina Kirchner, pela tentativa de aumento dos impostos às exportações agrícolas. Aproveitando a trégua com a Argentina, as empresas voltaram a captar recursos. A Arcor, uma das maiores fabricantes mundiais de chocolates e guloseimas, conseguiu US$ 200 milhões com vencimento em 2017, em sua primeira emissão de títulos. Os juros - de 7,25% ao ano - são os mais baixos para uma companhia argentina desde 2007. A petrolífera YPF (hoje controlada pela espanhola Repsol) se animou e aprovou uma captação internacional no valor de US$ 300 milhões.

"Os mercados de capitais se abriram para a Argentina", comemorou o ministro da Economia, Amado Boudou. O próprio governo estuda voltar ao mercado de crédito, com o lançamento de um novo título, aguardado desde o primeiro trimestre. Na época, Boudou e sua equipe diziam buscar juros abaixo de 10% ao ano, o que para boa parte dos analistas parecia ousado. Hoje, fala-se até em 6%.

Segundo economistas ouvidos pelo Valor, três fatores bem diferentes fizeram com que os investidores recuperassem o ânimo com o país. Do lado da conjuntura internacional, o apetite pelo risco e a busca por maiores taxas de retorno ajudaram, principalmente após o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no Brasil. Na questão política, a morte do ex-presidente Néstor Kirchner foi recebida pelo mundo das finanças como um sinal de diminuição do risco de novas ofensivas contra a iniciativa privada, embora seja remota a chance de reversão de medidas como a maquiagem de números do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).

No entanto, segundo os analistas, há um terceiro fator mais estrutural. Em junho, o governo argentino concluiu a segunda reestruturação da dívida externa em moratória desde 2002. Com a nova rodada de negociações, já houve acordo com quase 93% dos credores - ficaram de fora, basicamente, os "fundos abutres" americanos e uma parcela dos minoritários italianos. Isso se somou a seguidos esforços, pela Casa Rosada, de demonstrar que não há chances de novo calote.

"Havia certo exagero [para baixo] do mercado quanto à avaliação dos ativos argentinos", afirmou o diretor da consultoria Analytica, Ricardo Delgado. Para ele, o governo já deu todos os sinais de que continuará pagando a dívida pública. Esses sinais, segundo o economista, incluíram a estatização dos fundos de pensão, em 2008, e o anúncio de uso das reservas internacionais do Banco Central, no fim de 2009.

Delgado avaliou que a tendência de melhoria dos indicadores argentinos deverá seguir nas próximas semanas. "Isso é parte de um movimento que abrange toda a região, mas que aqui foi reforçada após os controles de capitais no Brasil", disse. Para relativizar, ele acrescentou que o mercado argentino ainda é pequeno e "as alterações são fortes com a entrada de relativamente pouco dinheiro".

Para alguns empresários, o movimento dos últimos dias é mais do que um bom humor passageiro. "A Argentina, em geral, está barata. Há uma percepção de que os ativos vão se valorizar", comentou o presidente da TGLT, Federico Weil. Incorporadora imobiliária de alto padrão, a empresa quebrou um jejum da bolsa portenha e fez a primeira abertura de capital em dois anos e meio. Arrecadou US$ 55,6 milhões. Dos novos acionistas, 66% são investidores institucionais estrangeiros. A brasileira PDG Realty já fazia parte do capital da TGLT, que tem 370 mil metros quadrados construídos ou em construção. "Temos a certeza de que seremos a primeira de muitas empresas que vão fazer o mesmo [oferta de ações]", completou Weil, mostrando-se confiante na economia do país.