Título: Consumo lidera crescimento e PIB repete o mix de 2009
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2010, Brasil, p. A3

De São Paulo

O consumo voltou a ditar o ritmo da economia brasileira. Enquanto os principais indicadores da indústria - produção, demanda por crédito, emprego e intenção de novos investimentos - desaceleraram nos últimos meses, a demanda continua em ascensão. No primeiro trimestre de 2010, a indústria cresceu 4% sobre o final de 2009, enquanto o consumo das famílias subiu 1,4%. Essa composição de crescimento mudou - o consumo parece liderar o crescimento, o que faz 2010 mais parecido com 2009.

Enquanto o ano de 2009 começou com recessão econômica e terminou com aceleração da indústria, tendo como motor o aquecido consumo das famílias, o ano de 2010 se iniciou com ritmo chinês de crescimento na produção e deve terminar com a indústria andando mais devagar - desde abril o setor vem reduzindo o ímpeto. O comércio varejista, no entanto, continua de vento em popa. O Índice Antecedente de Vendas (IAV) do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, que coleta os resultados dos 35 maiores varejistas do país, subiu 7,9% em setembro sobre mesmo mês do ano passado, quando o consumo já era muito aquecido. A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), calculada, como o PIB e os indicadores de produção da indústria, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), continuou avançando forte ao longo do ano e cresceu 2% em agosto sobre julho.

Na indústria de transformação, a produção de agosto foi 2,6% inferior a de março, enquanto o setor passou a contratar proporcionalmente menos. Nos primeiros três meses do ano, a indústria respondeu por 29% dos empregos criados, segundo série do Cadastro Geral de Admitidos e Demitidos (Caged) ajustada pela LCA Consultores. No mesmo período, o comércio respondeu por 22% das novas vagas. No terceiro trimestre, o peso da indústria recuou para 19% e o varejo manteve a mesma proporção.

A perda de ímpeto do setor produtivo também aparece no crédito. Não só a procura por empréstimos bancários na indústria despencou 4,2% em setembro sobre agosto, como as consultas do setor por financiamento do BNDES no ano tem sido focadas: nos primeiros sete meses do ano - até onde é possível pesquisar - os fabricantes de alimentos, em alta devido ao consumo das famílias, fizeram consultas 30% maiores que em igual período de 2008, o auge. Por outro lado, a demanda de indústrias de metalurgia e máquinas e equipamentos por novos investimentos foi inferior a de 2009, quando, em igual período, a economia apresentava crescimento fraco.

O Valor levantou as consultas feitas por 24 setores industriais junto ao BNDES para conseguir financiamentos do banco. No mês de julho, o dado mais recente, 13 dos 24 setores tiveram seu mês mais fraco em demanda por financiamento, enquanto outros cinco registraram em julho o segundo pior mês em apresentação de novos projetos.

Há diferenças de ímpeto entre os setores. Aqueles mais ligados ao consumo das famílias e menos afetados pela competição com importados, como os fabricantes de alimentos, apresentaram pedidos (consultas) no equivalente a R$ 10, 6 bilhões nos primeiros sete meses do ano, valor superior ao apresentado em igual período de 2009 e 2008, quando foram solicitados R$ 4,6 bilhões e R$ 7,5 bilhões, respectivamente. Já a indústria metalúrgica, que reúne desde os fabricantes de veículos até as siderúrgicas, apresentou consultas inferiores à dos últimos dois anos - 61% inferior aos primeiros sete meses do ano passado e 26,8% abaixo do registrado em 2008.

Os fabricantes de máquinas e equipamentos, importantes por apresentarem a disposição do conjunto da indústria em ampliar sua capacidade de produção, ainda apresentam ritmo de consulta por financiamentos do BNDES inferior ao que apresentavam em 2008, quando a atividade estava acelerada - R$ 3,2 bilhões, entre janeiro e julho deste ano, e R$ 3,5 bilhões em igual período de 2008.

Segundo a Serasa Experian, que calcula uma estimativa mensal do PIB, o desempenho do terceiro trimestre será "próximo a zero" frente ao segundo, avalia Luiz Rabi, gerente de indicadores da Serasa. "Quando os incentivos fiscais acabaram, em março, a economia começou a rodar mais devagar mesmo, culminando com o terceiro trimestre, que teve o desempenho mais fraco do ano", diz Rabi, para quem o quarto trimestre será "um pouco mais forte". Em julho, o PIB mensal calculado pela Serasa apresentou queda de 0,2% frente a junho, e em agosto alta de 0,3% sobre o mês anterior. "Andamos de lado no terceiro trimestre", diz Rabi.

Diferente da Serasa, a Tendências Consultoria estima que o PIB do terceiro trimestre ficou no azul, ainda que em queda frente aos anteriores. No segundo trimestre, a economia cresceu 1,2% sobre o primeiro, nos dados oficiais do PIB.

A Tendências desenvolveu um índice de atividade antecedente do PIB, denominado de ITA, calculado mensalmente, que apresentou elevações de 0,7% e 0,6% em julho e agosto, respectivamente. "A elevação do segundo trimestre foi, em sua maior parte, construída pelo efeito positivo dos primeiros três meses, que foram muito fortes. Foi por isso que os indicadores de produção industrial caíram em todos os três meses entre abril e junho, mas ainda registraram avanço de 1,9% na comparação trimestral do PIB, mas todo o "carry-over" foi gasto no segundo trimestre" diz Bernardo Wjuniski, economista da Tendências, que estima avanço de 0,8% entre julho e setembro.

Os analistas consultados pelo Valor avaliam que o resultado do PIB será cadente, tendo crescido entre 0,8% e 1%, no terceiro trimestre contra o segundo, e outro resultado semelhante, isto é, em torno de 1% de avanço, neste último trimestre do ano. "O último trimestre é sempre mais forte que o terceiro graças às festas de fim de ano, que impulsionam a produção da indústria em outubro e novembro e o comércio em dezembro", diz Wjuniski.

Segundo estimativas do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco, a demanda doméstica aumentará 9,5% no ano, sustentada, principalmente, pelo mercado de trabalho. Bancos e consultorias estimam que a taxa de desemprego deve oscilar em torno de 6% em dezembro, o patamar mínimo histórico - a MB Associados estima que a taxa será de 5,2% no fim do ano.

"São mais de 2,2 milhões de empregos formais criados apenas entre janeiro e setembro. Além disso, os salários estão em alta, o que também amplia a concessão de crédito às pessoas físicas, e tudo se reverte em consumo", dizem os economistas do Bradesco, que estimam um avanço de 6% da massa salarial para este ano, e de 18% da concessão de crédito para pessoa física - a RC Consultores apresenta estimativas ainda mais otimistas, com alta de 6,7% na massa real de rendimentos e de 23% na concessão de crédito à pessoa física.

Parte desse incremento do consumo está sendo atendido pelo exterior. Não à toa, as importações, em volume, estão 40% maiores neste ano em relação a 2009, quando o consumo já era muito elevado. Diante do fraco desempenho das economias mais desenvolvidas, a demanda por exportações brasileiras continua em baixa, fato agravado pela valorização do real. Como consequência, o saldo comercial sairá dos US$ 40 bilhões verificados em 2007 para um resultado pouco superior a US$ 15 bilhões em 2010.