Título: Para Dilma, EUA jogam ajuste na conta de outras economias
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2010, Política, p. A9

A presidente eleita Dilma Rousseff foi apresentada ontem à noite, em Seul, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos outros chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, mas não falou durante o jantar de trabalho que durou duas horas. A conversa de Dilma e Lula com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi "muito simpática", segundo uma fonte da delegação brasileira.

A presidente eleita continuará hoje acompanhando Lula, mas sempre sem se manifestar. No fim da tarde, os dois retornam no mesmo avião para Brasilia.

Pela manhã, ao chegar de um passeio pela capital coreana, Dilma Rousseff foi indagada por uma repórter se ela iria "engrossar a voz" na guerra cambial, ao acompanhar Lula no G-20.""Eu, minha querida, não tenho voz aqui ainda."

Logo depois ela qualificou de "desvalorização disfarçada" do dólar a decisão dos EUA de injetar liquidez de US$ 600 bilhões no mercado. E reclamou que a política do dólar fraco "faz com que o ajuste americano fique na conta das outras economias".

Para Dilma, a solução seria não haver desvalorização da moeda americana, "mas nós não controlamos o Federal Reserve, pelo que eu saiba". Foi menos crítica em relação às intervenções da China, que mantém a moeda desvalorizada. Para ela, o yuan está vinculada ao dólar e o problema é a moeda americana desvalorizada.

Dilma avaliou que "não é bom para o Brasil" ter a moeda mais valorizada entre as 20 maiores economias. Disse que tomará "todas as medidas possíveis" para evitar a valorização excessiva do real. Perguntada sobre que tipo de ação planeja, ela citou o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill, de que "há certas medidas que a gente não confessa nem para nós mesmos".

Respondendo à mesma questão horas depois, o presidente Lula disse que o Brasil tem câmbio flutuante " e isso flutua para cima ou para baixo". Para ele, no momento o governo está menos preocupado com medidas "que temos de tomar para desvalorizar o real, do que com medidas que os EUA tem de tomar para valorizar o dólar".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, interveio para dizer que as medidas já tomadas para proteger o real "não deram tudo o que desejaríamos". Acha que a cotação do real a 1,70 em relação ao dólar "não é satisfatória". E voltará a agir se a valorização enorme persistir.

Lula minimizou a situação do real. Para ele, o Brasil está importando muito porque os brasileiros têm mais dinheiro para consumir. Acha que o país está inclusive ajudando os EUA, pois é com o Brasil que os americanos tem seu maior superávit comercial. Mas notou que o Brasil terá saldo comercial de US$ 15 bilhões este ano.

Dirigindo-se a Mantega como se ele fosse permanecer no ministério, Lula disse que um desafio "extraordinário" do novo governo será viajar mais, mandar os ministros ao exterior com empresários para fazer negócios. "A gente não vende se ficar em Brasília chorando", afirmou.

Já a presidente eleita parece ter outros planos no momento. Descartou ir ao Fórum Econômico Mundial em fevereiro, em seu primeiro ano de governo, como fez Lula para encontrar a elite econômica global. E não tem planos de fazer a tradicional viagem ao exterior de presidentes eleitos.

Quanto a futuros ministros, , uma coisa que quer fazer é aumentar o salário deles. Acha que do contrário "não vamos ter gente para ser ministro no Brasil, [o salário] é muito defasado em relação ao mercado".

Sobre seu próprio salário, que Lula acha que deve ser aumentado, Dilma caiu das nuvens: "Nessa história, eu sou a última a saber." E partiu para sua suíte.