Título: EUA e China colhem frutos da moeda desvalorizada
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Fonte: Valor Econômico, 12/11/2010, Opinião, p. A12

Enquanto a Europa e os mercados emergentes se debatiam pelo fim da guerra cambial e pelo reequilíbrio global na reunião do G-20, que está sendo realizada nesta semana, na Coreia do Sul, a China e os Estados Unidos exibiam os bons resultados das dissimuladas políticas de desvalorização de suas moedas.

A China não pôde evitar a divulgação de mais um resultado recorde comercial, um dia antes da reunião dos presidentes do G-20. O saldo da balança comercial chinesa simplesmente saltou de US$ 16,9 bilhões em setembro para US$ 27,1 bilhões em outubro. Já os Estados Unidos conseguiram reduzir seu déficit comercial de US$ 45,5 bilhões em agosto para US$ 44 bilhões em setembro.

Os números exuberantes da balança chinesa põem em dúvida o comprometimento do país em flexibilizar a política cambial e deixar o yuan se valorizar. No ano passado, a China superou a Alemanha como principal exportadora de mercadorias do mundo, com a marca de US$ 1,2 trilhão. Os Estados Unidos permaneceram no terceiro lugar. Mas os Estados Unidos continuaram o maior importador do planeta, com US$ 1,6 trilhão e uma fatia de 12,7% das importações globais. A China passou a segunda maior importadora, com 7,9% ou cerca de US$ 1 trilhão, à frente da Alemanha com pouco abaixo disso.

Antes mesmo de chegar a Seul, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi incisivo: "Não podemos continuar com a situação de alguns países com enormes superávits enquanto outros têm enormes déficits, sem nunca chegar a um ajuste da moeda que poderia levar a um crescimento mais equilibrado".

A China ampliou seu espaço no comércio internacional em boa parte por causa do câmbio depreciado e atrelado ao dólar. Sob pressão global, Pequim anunciou, em junho, que flexibilizaria o câmbio, passando a seguir uma cesta de moedas. Desde então, o yuan se valorizou apenas 2,94%, dos quais quase 1% em três dias desta semana, provavelmente, não por coincidência, período em que, inspirados pelo clima em torno da reunião do G-20, os outros países, notadamente os Estados Unidos, elevaram o tom das críticas à política cambial chinesa.

O yuan se movimentou menos letargicamente depois que o banco central chinês elevou, nesta semana, pela quarta vez no ano, o compulsório dos bancos, em resposta à expectativa de recrudescimento da inflação. O receio do governo tem razão de ser, uma vez que o índice de preços ao consumidor acumulado nos doze meses terminados em outubro atingiu 4,4%, acima dos 3,6% de setembro e da meta de 3% do governo. O índice de preços ao produtor subiu ainda mais, 5% nos doze meses acumulados até outubro, em comparação com 4,3% em setembro. Diante desses números, novas altas dos juros são esperadas e a apreciação cambial pode até ser usada para ajudar a segurar a inflação.

O principal propulsor da inflação chinesa é a alimentação, mas o crescimento em ritmo estonteante também influi, especialmente porque puxa os preços das importações de produtos como as commodities, que a China absorve vorazmente. Os dados mais recentes confirmam que o ritmo chinês continua alucinante, compatível com um Produto Interno Bruto (PIB) próximo de dois dígitos. A produção industrial aumentou 13,1% em outubro e as vendas no varejo, 18,6%.

Como antecipa que terá que elevar novamente os juros, atraindo os capitais que circulam no mercado internacional, a China também já acenou com o controle de entrada de investimentos especulativos assim como outros países emergentes, inclusive o Brasil.

A China ainda engrossou o coro de ataques à política de "afrouxamento quantitativo" implementada pelos Estados Unidos para estimular a economia. Depois de ter injetado US$ 1,75 trilhão por meio da compra de títulos sem muito resultado, o Fed resolveu aumentar a dose e gastar mais US$ 900 bilhões. Mas essa estratégia está sendo duramente criticada porque gera fluxos de capital que buscam maior retorno em outros países, valorizando suas moedas e depreciando o dólar, o que causa desequilíbrio no comércio internacional.

A política americana, também criticada por outros países, acabou dando argumentos para Pequim defender sua posição. "Os EUA devem se dar conta de suas responsabilidades e obrigações como país emissor de moeda de reserva e adotar políticas macroeconômicas responsáveis", disse o vice-ministro chinês, Zhu Guangyao.

Com cada país preocupado apenas em defender seu quintal, não houve uma solução global na reunião do G-20.