Título: Não conte com governança mundial
Autor: Rodrik , Dani
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2010, Opinião, p. A13

Todos concordam que a economia mundial está enferma, mas o diagnóstico, aparentemente, depende de em que canto do mundo você por acaso vive.

Em Washington, dedos acusadores apontam para a China, culpando sua política monetária de causar grandes desequilíbrios comerciais e de destruir empregos nos EUA. Se for a Seul ou Brasília, você ouvirá queixas sobre as políticas monetárias hiperexpansionistas do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) que estão deixando os mercados emergentes inundados de capital especulativo tendentes a criar o espectro de bolhas de ativos. Pergunte em Berlim e ouvirá um longo discurso sobre a ausência de sensatez fiscal e reformas estruturais no resto da Europa ou nos EUA.

A culpa, caro Brutus, não está nas estrelas nem em nós mesmos. Graças à globalização, está em nossos parceiros comerciais!

Por mais autocentrada que possa parecer, essa visão não é desprovida de mérito. À medida que as economias vão se interrelacionando, as decisões tomadas numa parte do mundo repercutem em outras, muitas vezes produzindo consequências inesperadas. A crise americana rapidamente transformou-se numa crise mundial graças ao entrelaçamento de balanços patrimoniais interjurisdições.

A ausência de instituições mundiais - atuando como emprestadoras de última instância ou proporcionando estímulo fiscal coordenado - agravou a crise e retardou a recuperação. E agora, políticas fiscais, monetárias e cambiais individualistas do tipo salve-se quem puder estão cruzando fronteiras nacionais, criando riscos de guerras e protecionismo.

Como lidar com esses desafios é a maior questão econômica de nosso tempo. Uma das abordagens, defendida por tecnocratas e pela maioria dos políticos - pelo menos até a intrusão de exigências de política interna - está em buscar consolo em governança mundial cada vez maior. Os problemas mundiais, afinal de contas, necessitam soluções mundiais, o que implica fortalecer organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional, intensificando a eficácia dos fóruns mundiais, como o G-20, e negociar códigos e normas internacionais mais rigorosos.

Outra abordagem fundamenta-se no reconhecimento de que a governança mundial tenderá a permanecer incompleta e na moderação dos efeitos secundários mediante uma forma mais cautelosa de globalização econômica. Essa estratégia implica jogar um pouco de areia nas engrenagens da economia mundial a fim de ampliar espaços para a política doméstica e limitar o impacto do contágio adverso das ações de outros países. Essa opção pode parecer protecionista, mas poderia, finalmente, assegurar uma globalização mais duradoura.

A Rodada Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi amplamente saudada como uma grande conquista, pois submeteu subsídios e muitos outros tipos de políticas industriais praticadas pelos países em desenvolvimento a rigorosa disciplina internacional. Mas as restrições da OMC simplesmente levaram os governos a perseguir objetivos semelhantes por outros meios.

Analogamente, quando os mercados emergentes se abriram para a globalização financeira, julgaram que os fluxos de capital facilitariam seu desenvolvimento econômico. Os emergentes pensavam que políticas macroeconômicas adequadas e regulamentação prudencial, com o apoio de instituições financeiras internacionais, os ajudariam a lidar com quaisquer efeitos adversos. Mas os mercados financeiros tornaram-se amigos nas horas boas e ausentes quando mais necessários. Isso obrigou os países em desenvolvimento a experimentar tentativas onerosas para proteger suas economias da inconstância dos mercados financeiros. Ainda pior, tiveram de adotar estratégias - como intervenções no mercado cambial e acumulação de reservas cambiais - que exportam instabilidade financeira para outros países. Teria sido melhor evitar tudo isso, exercendo maior cautela na abertura aos fluxos financeiros internacionais, em primeiro lugar.

Os economistas ensinam as virtudes do livre comércio porque nos beneficia - e não porque beneficia outros. A exposição de uma economia nacional aos mercados mundiais - diferentemente de limitar as emissões nacionais de poluentes - produz suas próprias recompensas. Uma economia mundial constituida por países que defendem seus próprios interesses nacionais não será, possivelmente, hiperglobalizada, mas será, em larga medida, uma economia aberta.

Sem dúvida, a economia mundial necessita algumas regras de tráfego que explicitem as implicações de contaminação internacional. Mas o equilíbrio entre prerrogativas nacionais e regras internacionais deve assumir as realidades políticas como uma virtude. Se nos desviarmos demasiadamente para uma governança mundial, acabaremos criando regras sem sentido que constituirão um convite a serem dribladas.

Dani Rodrik é professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, e autor de One Economics, Many Recipes: Globalization, Institutions, and Economic Growth. (Uma economia, muitas receitas: globalização, instituições e crescimento econômico). Copyright: Project Syndicate, 2010.