Título: Barreiras a fluxo global ganha reforço entre países emergentes
Autor: Lyons , John
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2010, Finanças, p. C8

Vários países emergentes estão incrementando a corrida para criar barreiras contra a torrente de capital que foge de países ricos como os Estados Unidos rumo a suas economias, o que ameaça descarrilar o crescimento com uma valorização excessiva das moedas prejudicial a exportadores e indutora de volatilidade nos mercados locais. Esta semana, Taiwan impôs limites para a aplicação de estrangeiros em títulos de dívida. Em outubro, o Brasil e a Tailândia aumentaram o imposto para investimentos estrangeiros em títulos locais. Em junho, a Coreia do Sul restringiu as operações com derivativos, enquanto a Indonésia limitou que investidores vendam alguns títulos de curto prazo. Enquanto isso, bancos centrais de Israel à África do Sul estão comprando dólares para coibir a valorização de suas moedas.

Enquanto as moedas de vários países emergentes sobem, as autoridades estão usando soluções que antes eram consideradas tabu e que são definidas de modo geral como controles de capital. O objetivo é impedir o surgimento de bolhas de ativos e outras consequências nefastas da entrada excessiva de capital.

As medidas, que também têm seus efeitos colaterais, são o exemplo mais recente de como o desequilíbrio entre as economias ricas e as em desenvolvimento após a crise financeira mundial tem criado dor de cabeça econômica para políticos do mundo emergente.

Como as economias dos EUA e da Europa continuam frágeis, os países com crescimento mais rápido, como o Brasil, estão atraindo um frenesi de investimento. A tendência não deve diminuir no curto prazo. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, informou semana passada que vai comprar US$ 600 bilhões em títulos governamentais para estimular a economia americana. Boa parte desse estímulo vai escorrer para os países emergentes, onde os juros são maiores.

"Há um tsunami de dólares difícil de conter", disse Mauricio Cárdenas, pesquisador da Instituição Brookings, em Washington. "Os países estão fazendo o que podem." O desequilíbrio cambial entre os países ricos e os em desenvolvimento causou protestos dos líderes das economias emergentes, principalmente do Brasil, que tentam empurrar a questão para o centro do debate na reunião do G-20 em Seul.

"Não adianta ficar jogando dólar de helicóptero", disse no dia 4 o ministro da Fazenda brasileiro, Guido Mantega, sobre a nova rodada do Fed de compra de títulos. "O único resultado (...) é desvalorizar o dólar."

As autoridades americanas defenderam a medida com o argumento de que a economia mundial será beneficiada se os EUA se recuperarem mais depressa. E, ainda por cima, alguns economistas acham que os verdadeiros culpados são países como a China que mantêm suas moedas artificialmente fracas em benefício próprio. A China aumentou exigências de reserva de capital dos bancos esta semana, uma medida que também coíbe o fluxo de investimentos estrangeiros.

A colcha de retalhos de políticas monetárias motivou temores de que a cooperação mundial após a crise financeira foi substituída pelo interesse econômico próprio.

"É preciso uma atitude urgente para impedir essa perturbadora tendência de medidas unilaterais em questões macroeconômicas, comerciais e cambiais", disse num comunicado recente Charles H. Dallara, diretor executivo do Instituto Internacional de Finanças, uma associação de grandes bancos internacionais.

Em tempos normais, investimento em alta e moeda forte são considerados coisas boas. Mas o fluxo atingiu um nível grande demais para as pequenas economias emergentes digerirem. O instituto calcula que o fluxo de capital para os países emergentes será de US$ 825 bilhões em 2010, ante US$ 581 bilhões ano passado.

Esse dinheiro pode causar uma série de problemas. Moedas supervalorizadas implicam que exportadores perdem sua vantagem de preço. Os fluxos também podem valorizar demais moedas ou bolsas que, por sua vez, podem desabar quando os investidores decidirem aplicar seus recursos em outros mercados.

E não há muito o que os emergentes possam fazer. Um exemplo de como o nó é complicado: o FMI, que antes criticava os controles de capital, agora abençoa medidas como aumento do imposto de investimentos estrangeiros em títulos. Embora a efetividade de longo prazo delas seja questionável, as medidas podem ser bem-sucedidas no curto prazo.

William Cline, pesquisador sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington, diz que a frustração de alguns mercados emergentes com os EUA e outros países desenvolvidos é um erro.

Países como Malásia, Cingapura e Taiwan - e, mais importante, a China - já mantêm suas moedas desvalorizadas em benefício próprio, não obstante países como Brasil, Israel, Tailândia e Indonésia terem moedas supervalorizadas, disse Cline.

"Medidas de países legitimamente frustrados não podem se tornar uma cobertura para que outros países desvalorizem [suas moedas]", disse Cline.

Para os líderes de mercados emergentes tradicionalmente voláteis, o fenômeno representa uma inusitada reversão das fortunas. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o governo brasileiro, oito anos atrás, seu governo estava num esforço desesperado para impedir a fuga do investimento estrangeiro. Agora, seu governo tenta evitar que alguns investimentos entrem.

O Brasil, que liberou o câmbio em 1999, é um claro exemplo da situação. Com taxas de crescimento de 7%, o país já vinha atraindo uma parcela substancial do investimento estrangeiro. A alta taxa de juros de curtíssimo prazo, hoje em 10,75%, faz do país um alvo preferencial para investimentos especulativos também.

Funciona assim: os investidores tomam emprestado onde as taxas de juros estão perto de zero, como os EUA e o Japão, depositam o dinheiro em países como o Brasil, onde os juros são altos, e embolsam a diferença.

O chamado "carry trade" ajuda a explicar por que o real subiu cerca de 35% desde o começo do ano - o suficiente para que o Goldman Sachs o chamasse de "moeda mais sobrevalorizada do mundo".

A alta da divisa está criando tensões políticas para o governo recém-eleito de Dilma Rousseff. A indústria pede medidas mais firmes para enfraquecer o real, que mina a capacidade dela de competir.

"Isso também está causando o problema de desindustrialização, no qual os fabricantes brasileiros são prejudicados pelas importações baratas", diz Robson Braga, presidente da Confederação Nacional da Indústria.

A alta do real está expondo as áreas vulneráveis do Brasil. Durante anos, uma moeda fraca e elevadas tarifas protecionistas deram-lhe uma vantagem competitiva, apesar da infraestrutura precária, burocracia pesada e altos impostos, sem falar num sistema educacional pobre.

O real mais forte está pondo à prova a capacidade dos líderes de enfrentar esses problemas mais profundos, dizem especialistas.

Por exemplo, a maneira mais fácil para o Brasil diminuir a pressão especulativa sobre o real seria baixar as taxas de juros. Mas os déficits crescentes e um endividamento público que se aproxima de 60% do PIB faz com que o Brasil precise de altas taxas de juros para atrair empréstimos e pagar as contas e controlar a inflação.

Para baixar os juros, o Brasil precisa reduzir os gastos públicos e encolher seus déficits, dizem economistas. Mas Dilma, ao contrário, prometeu centenas de bilhões de dólares para construir estradas, usinas e estádios para abrigar a Copa do Mundo e a Olimpíada. Sua equipe de transição discute um aumento do salário mínimo.

Até agora, os controles de capitais do Brasil puseram um freio na alta do real. Mas eles também ilustraram as armadilhas da medida. Uma delas é que a divisa brasileira ficou mais volátil, já que os investidores passaram a tentar adivinhar quando será anunciada a próxima leva de medidas.

Além disso, os impostos que o Brasil impôs aos investidores estrangeiros foram em parte um tiro pela culatra, porque os investidores simplesmente exigem retornos mais altos para emprestar. Isso aconteceu no fim de outubro, pouco depois que o governo aumentou o imposto sobre investimento estrangeiro pela segunda vez. As autoridades foram obrigadas a cancelar um leilão normal de papéis depois de avaliarem que os investidores estavam cobrando taxas altas demais. Outras medidas foram recebidas com ceticismo. O Brasil ameaçou usar um fundo de investimento do Tesouro para comprar dólares para enfraquecer o real. Mas como o Tesouro registra déficit uma medida dessas exigiria tomada adicional de empréstimos, o que aumentaria os déficits e forçaria o Banco Central a manter os juros altos. (Colaboraram Tom Murphy, de São Paulo, e Evan Ramstad, de Seul)