Título: EUA querem 'banda indicativa' para os saldos de conta corrente
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/11/2010, Especial, p. A16

Quando os EUA e a Coreia do Sul propuseram que déficits ou superávits das contas correntes não podiam passar de 4% do PIB, a Alemanha liderou duramente a rejeição à ideia, bem mais do que a China, na reunião de ministros de Finanças do G-20, há três semanas.

O Valor apurou que agora os EUA tentam reintroduzir nesta semana, no G-20 presidencial, o compromisso de "banda indicativa", como parte de uma estratégia conjunta para estimular a economia mundial, mas atenuando a pressão sobre os alemães.

Para Washington, desequilíbrios projetados para ficar persistentemente fora das bandas de 4% do PIB deverão submetidos a uma avaliação de sua natureza e razões que impedem o ajustamento.

Mas desta vez sugere que "membros de uma união monetária teriam suas políticas cambial e monetária examinadas coletivamente, enquanto para políticas fiscal e estrutural seriam avaliadas em nível nacional."

Ou seja, não é o superávit de 6,1% do PIB nas contas correntes da Alemanha que seria avaliado, para examinar impacto no comércio internacional, e sim o déficit de 0,4% da zona euro, que está em plena convergência na banda proposta pelos americanos.

Na prática, a "banda" de 4% exigirá da China, com superávit de 4,7% nas contas correntes, que altere políticas na área cambial, faça cortes no orçamento e altere regulações e impostos, para reduzi-los. O FMI calcula que no ritmo atual o saldo das contas correntes chinês subirá para 8% do PIB até 2015.

Para o secretário de Tesouro americano, Timothy Geithner, em todo caso isso exige uma mudança nas estratégias de crescimento de países que têm acumulado superávits comerciais e de contas correntes, como China, Alemanha e Japão. Passariam da dependência em relação à exportação para um crescimento liderado mais por demanda doméstica.

Por sua vez, as mudanças nos países com superávits, emergentes ou desenvolvidos, precisam ser complementadas por reformas em nações como os EUA, para aumentar a poupança e exportar mais. O crescimento americano virá mais do investimento e exportações do que do consumo.

Ilustrado o impasse sobre como fazer o ajuste "ordenado" da economia mundial, o projeto americano para a cúpula presidencial é bem mais amplo do que está previsto no "draft" do "Plano de Ação de Seul", que os chefes de Estado e de governo do G-20 devem anunciar na sexta-feira.

O "draft" se limita a "reconhecer" que no processo de avaliação mútua das economias, ocorrido este ano, a maioria dos países espera manter seus desequilíbrios nas contas correntes por volta de 4% do PIB até 2014.

Para os EUA, porém, é necessário um plano baseado "em responsabilidade compartilhada" no G-20 no pilar de "políticas cambial, monetária e comercial", com "forte monitoramento e acompanhamento" a partir do ano que vem.

Washington que as "bandas indicativas" devem ser vistas como patamares indicativos, e não como "metas", para examinar a sustentabilidade e consistência das políticas cambial, fiscal, monetária e financeira de um país.

Estima que "diretrizes indicativas" que forem acertadas no G-20 serviriam como um mecanismo de alerta para identificar rapidamente os problemas e permitir corrigir ações.

Os EUA querem também que as economias emergentes assumam o compromisso de caminhar na direção de taxa de câmbio determinada pelas forças do mercado e reflitam os fundamentos de suas economias. O "draft" original defende que o compromisso venha de todo o G-20.

Os americanos propõem que os países responsáveis por moedas de reserva, como dólar, euro e iene, sejam "vigilantes" contra excesso de volatilidade e movimentos desordenados da taxa de câmbio.

"Juntas, essas medidas ajudarão a mitigar o risco de excessiva volatilidade nos fluxos de capitais que enfrentam vários emergentes", diz o texto americano. Retoma o compromisso já assumido no G-20 financeiro para não adotar desvalorizações competitivas de suas moedas e medidas para frear a valorização de moedas justificada pelos fundamentos do mercado, numa alusão à China.

De hoje até quarta-feira, haverá negociações entre os "sherpas", os representantes pessoais dos chefes de Estado e de governo, antes que o texto final do plano seja submetido aos líderes. A discussão terá como pano de fundo a ideia de que introdução de banda para a convergência de déficit e superávit tem o mérito de juntar de maneira solidária no processo de ajuste os países em diferentes situações. Evitaria um país crescendo à custa dos outros, com exportações dopadas por câmbio desvalorizado, por exemplo.

Mas certos membros do G-20 notam que, de um lado, os EUA enfim apelam para o multilateralismo. De outro lado, continuam adotando medidas unilaterais de novo afrouxamento monetário, sem coordenação, o que causa problemas para todos os outros. É o que uma analista chama de "minha política, seu problema".