Título: Religiosa, Cabo Frio despreza Dilma
Autor: Agostine , Cristiane ; Lima , Vandson
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2010, Politica, p. A6

Mesmo com o apoio do prefeito tucano Marcos da Rocha Mendes (Marquinho Mendes), a presidente eleita Dilma Rousseff não conseguiu arregimentar os votos de Marina Silva (PV) no primeiro turno e perdeu a eleição para José Serra em Cabo Frio, maior município da turística Região dos Lagos do Rio de Janeiro, e em Armação dos Búzios, o mais famoso. Marina venceu o primeiro turno em praticamente toda a região, sendo que em Cabo Frio Dilma foi a terceira colocada, com 29,09% dos votos válidos, perdendo para os 40,43% de Marina e os 29,32% de Serra.

Ontem, o tucano obteve em Cabo Frio 56,90% dos votos válidos (49.667 votos) e Dilma, 43,10% (37.615). As abstenções cresceram de 19,13% no primeiro turno para 24,72% no segundo. Em Búzios, a petista, que havia ganho de Serra no primeiro turno, perdeu por 54,86% dos votos válidos (8.122) a 45,14% (6.682). As abstenções cresceram de 12,60% para 16,90%.

Foi um segundo turno morno, com campanha pública quase inexistente. Uma faixa aqui, um carro de som perdido acolá... Ontem os eleitores dividiram as seções eleitorais com levas de turistas que foram para as cidades aproveitar o feriado prolongado e o sol generoso. "Parece que não tem eleição. Nos bares, restaurantes e praças não se vê ninguém falando", disse Mendes ao Valor três dias antes da votação. O tucano, que enfrenta uma longa disputa judicial para manter-se no cargo, acusado de compra de votos em 2002, disse que está alinhado com o governador Sérgio Cabral (PMDB).

O prefeito de Búzios, Mirinho Braga (PDT), também apoiou Dilma, assim como quase todos os prefeitos da Região dos Lagos. Mas o prefeito de Cabo Frio reconhecia o favoritismo de Serra na cidade, apoiado em pesquisas privadas que davam 14 pontos de vantagem para o tucano. Em Búzios, a avaliação geral era favorável a Serra.

O fenômeno Marina no primeiro turno na região é explicado por lideranças e eleitores como decorrente de uma soma de fatores, começando pela grande população evangélica, calculada informalmente em mais da metade do total em cidades menores como Búzios (28.653 habitantes em 2009, segundo o IBGE) e mesmo em Cabo Frio, a maior delas, com 186.004 habitantes. A forte presença evangélica alia-se a uma influência grande também da igreja católica. Para o prefeito de Cabo Frio, metodista, assim como o de Búzios, o fato de Dilma ter sido vista como apoiadora do aborto uniu católicos e evangélicos, carreando seus votos para a candidata do PV.

A análise é praticamente unânime em Cabo Frio e Búzios. O pastor Eduardo Guimarães Rocha, da Igreja Metodista de Cabo Frio, disse que não houve um trabalho organizado ou reuniões das igrejas para tratar do assunto. Segundo ele, o trabalho foi "sutil" e Marina "caiu como uma luva" para o eleitorado. O comerciário de Cabo Frio Alex Souza, 28, não escondeu sua opção religiosa por Marina e a rejeição a Dilma por causa das questões como a do aborto.

O pastor Luciano Amorim, 38, há sete anos na Igreja Metodista do centro de Búzios disse que os pastores não se posicionaram no púlpito, mas de forma mais sutil, em reuniões de células de fiéis. Para Amorim, havia uma tendência à canalização dos votos de Marina para Serra. Um levantamento feito pelo Valor com eleitores que acabavam de votar em Búzios e Cabo Frio constatou que de 47 entrevistados, 22 haviam votado em Marina no primeiro turno. Desses, 12 optaram por Serra e 10 por Dilma. Muitos dos que votaram no tucano alegaram razões religiosas e relacionaram a petista com o aborto, o casamento gay e também com o comunismo.

O padre Ricardo Whyte, da Paróquia de Sant"Anna e Santa Rita de Cássia de Búzios, publicou, antes do primeiro turno, no jornal da paróquia artigo orientando o voto contra candidatos que apoiassem o aborto e o casamento gay e disse que reforçaria a orientação nas missas no segundo turno.

Mas não foi só o fator religioso que explicou a grande votação de Marina na região. Dependentes do turismo, as cidades da região desenvolveram uma consciência ecológica que também ajudou a formar o cabedal de votos da candidata do PV, embora sem nenhuma organicidade, como reconhece o engenheiro Juarez Lopes, presidente do PV de Cabo Frio.

Ele mesmo, como candidato a deputado federal, obteve apenas 1.192 (Marina teve 37.944) na cidade e 1.766 no Estado. Tanto Lopes como Eduardo Borgerth, presidente do PV de Búzios, são nomeados pela direção estadual do partido e admitem que o PV na região está longe de ser forte. Ao voto religioso e ao ambientalista somou-se o desencanto com os demais candidatos para explicar a votação de Marina. O primeiro dos três pontos acabou sendo decisivo para a migração da maior parte dos seus votos para Serra.

Em Volta Redonda, um dos municípios fluminenses onde a ex-candidata Marina Silva havia sido a mais votada no primeiro turno, com 40,02%, Dilma Rousseff levou o segundo turno. A candidata do PT teve 61,74% dos votos contra 38,26% de José Serra. Votos brancos foram 3,34%, nulos 6,03%. A abstenção foi de 18,15%. No primeiro turno, Dilma havia tido 39,53% dos votos e Serra, 18,70%.

Para o prefeito Antonio Francisco Neto (PMDB), Dilma colheu os benefícios da parceria do município com o governo federal e estadual que levou para a cidade quase R$ 100 milhões em obras do PAC, Minha Casa Minha Vida e de emendas na área da saúde. "Certamente a população quer a continuidade dessa parceria", disse o prefeito, que apoiava Dilma.

Neto não soube explicar o porquê do voto em Marina no primeiro turno. Ele disse acreditar que a novidade do discurso ambiental deve ter seduzido parte da população, preocupada com os impactos da tradicional atividade siderúrgica na cidade - que é sede da CSN - e da poluição no Rio Paraíba do Sul. (Colaborou Janes Rocha, do Rio).