Título: Irã deve perder destaque na política externa
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2010, Politica, p. A8
Eleições: Lula levará Dilma a reuniões internacionais antes da posse; assessores põe foco em continuidade
Como aconteceu com Luiz Inácio Lula da Silva, no início do primeiro mandato, as questões de política externa no governo Dilma Roussef cederão lugar para as prioridades na política interna, o que deve dar um perfil discreto à ação diplomática da nova presidente, pelo menos nos primeiros meses de mandato. "Não haverá mudanças", diz Marco Aurélio Garcia, um dos principais coordenadores da campanha de Dilma e assessor internacional do presidente Lula. O Ministério de Relações Exteriores terá uma relativa autonomia, para seguir a agenda já traçada no governo que termina em dezembro.
É certo, porém, segundo outro ministro próximo a Lula e Dilma, que a relação com Irã deve perder a dimensão que ganhou. Menos por Dilma e mais por Lula: o presidente foi o principal defensor, nos últimos meses, da aproximação com o governo de Mahmud Ahmadinejad, com quem acreditou ser possível obter um feito diplomático, o acordo sobre o programa nuclear iraniano. O Ministério de Relações Exteriores continuará acompanhando o assunto, mas estão descartadas iniciativas de protagonismo, a não ser na improvável hipótese de convite ao Brasil vindo dos países que negociam com o Irã.
Dilma endossa, porém, a tese defendida no atual governo de que o Brasil deve buscar uma "nova noção de geopolítica", formando alianças com países emergentes de peso, como China, Índia, Rússia e África do Sul. Seu grupo de assessores mais próximo compartilha da decepção de Lula com o governo Obama. Para eles, Obama frustrou, por razões de política interna, as expectativa de mudança na atuação dos EUA em questões como o Oriente Médio. Ainda assim, as acordos e a aproximação com o governo americano obtidos nos últimos anos são vistos como uma base para manter cooperação em setores como biocombustíveis e negociações multilaterais.
Em 11 de novembro, Lula quer aproveitar a reunião, em Seul, do G-20, o grupo de economias mais influentes do planeta, para apresentar Dilma à comunidade internacional. Ela terá a oportunidade de se reunir com líderes mundiais ao lado de Lula e divulgar as linhas de política externa de seu governo, tema quase ausente da campanha eleitoral e que será discutido intensamente pela equipe do futuro governo nos próximos dias.
Na última semana do mês, Dilma terá reuniões com governantes do continente, na cúpula da União das Nações da América do Sul (Unasul), na Guiana. E, em 17 de dezembro, Lula pretende levá-la também para a cúpula do Mercosul, em Foz do Iguaçu, sob a presidência temporária do Brasil. É uma reunião importante, na qual Lula pretende deixar firmado um pacto de consolidação do bloco, com metas e cronogramas para integração em setores como serviços e compras governamentais, até hoje adiados pelos países sócios.
Lula, que já tinha experiência em contatos internacionais, como sindicalista, começou seu primeiro mandato tentando se concentrar nos problemas internos e aproveitou os diplomatas já em ação no governo anterior para traçar o que, na época, se chamou de Objetivo 2006, com metas (depois frustradas) também para a eliminação dos entraves à integração dos sócios. Mas a guerra do Iraque, em março de 2003, mobilizou as atenções internacionais e projetou novos objetivos para a diplomacia do novo governo. A equipe de Dilma espera que não haja nada do gênero em 2011, embora as discussões do G-20 devam cobrar atenção especial de seu governo.
Ainda não há decisão sobre quem comandará o Itamaraty. Celso Amorim pode continuar, mas há, na cúpula do governo, quem defenda a substituição, com o argumento de que o chanceler está há muito tempo no posto e seria salutar uma renovação. O atual secretário-geral, Antônio Patriota é o mais cotado, mas, segundo um ministro, não se descarta a escolha de alguém fora da diplomacia.
No terreno do comércio exterior, um nome com força para obter um cargo importante é o atual presidente da Agência de Promoção de Exportações (Apex), Alessandro Teixeira, filiado ao PT e licenciado para a coordenação da campanha. Diferentemente de José Serra, Dilma não cogitou concentrar as atividades de comércio externo em um órgão à parte, ligado à Presidência. Assim, deve continuar a relação ambígua, de coordenação e competição, entre os órgãos comerciais: o departamento de Promoção Comercial (ligado ao Itamaraty) e a Apex (ligada ao Ministério do Desenvolvimento, mas com maior autonomia).