Título: Crédito de longo prazo e meta fiscal estão na agenda
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 01/11/2010, Politica, p. A9
Antes mesmo de tomar posse no dia 1º de janeiro, a presidente eleita, Dilma Rousseff, terá que decidir sobre um importante conjunto de assuntos que vão marcar o perfil da nova administração: de como prover crédito de longo prazo para a expansão da capacidade produtiva do país ao valor do salário mínimo a partir de janeiro de 2011; do reajuste que vai conceder aos aposentados que ganham mais de um salário mínimo à meta de superávit fiscal que perseguirá nos próximos anos. Esses são alguns dos temas de curto prazo. Outros se colocam sem soluções imediatas. O mais complicado é como conviver com a apreciação do real e evitar a desindustrialização.
Está pronto para ser submetido à nova gestão o pacote de incentivo ao financiamento de longo prazo, que pode ser encaminhado ao Congresso ainda por este governo, caso seja desejo da presidente eleita. Elaborado pela equipe do Ministério da Fazenda como instrumento fundamental para elevar a taxa de investimento da economia dos atuais 19% do PIB para 22% em 2014, o programa de incentivo às captações e aplicações financeiras de longo prazo propõe a isenção do Imposto de Renda para as empresas que aplicarem em Letras de Crédito Imobiliário; concede autorização para o BNDES emitir Letras Financeiras; e traz medidas de estímulos à securitização do crédito imobiliário, entre outras. A parte que pretendia incentivar os investimentos estrangeiros em títulos privados de longo prazo ficou comprometida com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras sobre o ingresso de capital externo no mercado financeiro.
Esse assunto torna-se ainda mais urgente tendo em vista que o Tesouro Nacional deve reduzir à metade o aporte de recursos para o BNDES aumentar financiamentos em 2011. Dos cerca de R$ 100 bilhões emprestados este ano ao banco, a União deve comparecer com R$ 50 bilhões para o banco no próximo ano, emagrecendo, assim, a oferta de créditos de longo prazo para as empresas expandirem a capacidade de produção.
Esse é um dos grandes dilemas da economia brasileira: para crescer nos próximos anos sem gerar pressão inflacionária é preciso aumentar a oferta de bens e serviços. Atualmente apenas o BNDES fornece recursos para investimentos de longa maturação na economia. E a capacidade do banco de andar com seus próprios recursos é limitada a algo como R$ 70 bilhões.
O pacote de medidas para o crédito de longo prazo leva em conta a demanda por investimentos no país de 2011 a 2014 e mira três eixos: redefinir o tamanho possível do BNDES e as fontes de financiamento que vão sustentá-lo; aumentar a oferta do crédito habitacional, que cresce em ritmo mais veloz do que a captação de poupança; criar, no médio prazo, um mercado de captação de recursos a partir da desoneração ou mesmo isenção do IR nos títulos com prazos mais longos, assim como utilizar os recursos dos fundos de previdência para alavancar financiamentos de infra-estrutura no país.
Ao contrário do seu adversário José Serra, que se comprometeu com a imediata elevação do salário mínimo para R$ 600,00 e com o reajuste de 10% para os aposentados com mais de um salário, Dilma representa a continuidade de Lula e a proposta orçamentária preparada por este governo para 2011 sugere aumento de 5,2% para o mínimo, que passaria para R$ 538,15. Valor que seria arredondado para R$ 540 a partir de 1º de janeiro.
O cálculo do salário mínimo para 2011 obedece à proposta de lei do governo Lula de reajustes anuais em percentual equivalente à variação acumulada Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescido da taxa de crescimento real do PIB de 2009 - não houve crescimento do produto no ano passado. A partir de 2011, o novo governo deve redefinir a política de recuperação do mínimo e Dilma já adiantou que pretende optar pela manutenção da regra atual, em vigor desde 2007.
O novo governo deve se empenhar, nos primeiros meses, para que o Congresso aprove duas medidas que tramitam desde 2007 e que são importantes para a frear o crescimento do gasto público e garantir um regime de previdência equânime para trabalhadores dos setores público e privado. A proposta original para o crescimento da folha de pagamentos da União limitava o aumento dessa despesa em 1,5% acima do gasto no ano anterior, mais a correção da inflação. Durante as discussões no parlamento, o teto já passou para 2,5%.
No caso da previdência, além de regulamentar a emenda constitucional que estabeleceu as mesmas regras para o funcionário público e para os trabalhadores privados, é muito provável que a nova administração tente estabelecer idade mínima para que os futuros trabalhadores possam se aposentar pelo INSS. Por exemplo, exigindo que cumpram como requisito a soma da idade e do tempo de contribuição de 105 anos, no caso do homem, e de 95 no caso da mulher.
Para corrigir a imensa distorção entre os sistemas de previdência público e privado, falta a criação do fundo de previdência complementar para os servidores públicos, para que passem a receber do Tesouro Nacional o teto do INSS (em R$ 3.467,40), como os trabalhadores do setor privado, e façam a complementação da renda com um fundo de pensão. A regra valeria apenas para funcionários que ingressassem no serviço público após a aprovação da reforma.
Ainda do lado fiscal, além de controle no crescimento do gasto corrente, o novo governo deverá enfrentar uma discussão conceitual. Há estudos técnicos feitos pela atual administração que recomendam a substituição do conceito de superávit primário consolidado do setor público pela metodologia de poupança pública, como indicativa do compromisso de controle do gasto. A poupança decorreria da diferença entre receitas e despesas correntes de consumo do governo, incluídos aí os gastos referentes ao pagamento de juros da dívida pública. Por essa metodologia, todas as despesas relativas a investimentos estariam fora das metas fiscais.
Outra frente de batalha refere-se à taxa de câmbio e seus efeitos sobre a indústria. Esse é problema complexo que envolve não só questões internas mas, também, o processo de desvalorização do dólar no mundo. A sistemática apreciação do real leva ao risco da "reprimarização" das exportações e da desindustrialização do país.
Depois de se tornar grau de investimento, o Brasil entrou na rota dos investidores internacionais e, mesmo com uma eventual redução dos juros domésticos, é muito provável que prevaleça a tendência de valorização do real. O governo Dilma deverá se comprometer com o retorno do superávit primário para a casa dos 3,3% do PIB, o que permitiria eliminar o déficit nominal das contas públicas ao final de quatro anos e reduzir a dívida interna para 30% do PIB.
Pelos cálculos dos economistas do governo, nesse cenário a taxa de juros básica poderia cair para 2% ou 3% reais em 2014, desestimulando o ingresso de dólares em busca de ganhos de arbitragem.
Não basta, porém, esperar que isso ocorra nem seria recomendável manter o ritmo de acumulação de reservas internacionais enquanto seu custo de carregamento for alto. O Brasil chega ao fim de 2010 com reservas próximas a US$ 300 bilhões e um gasto dado pelo diferencial de juros interno e externo de US$ 50 bilhões por ano.
Há um vasto caminho que pode ser trilhado para melhorar a performance das exportações de manufaturados: incentivos tributários, financiamentos e combate a práticas desleais de comércio, com medidas anti-dumping, por exemplo. Para começar, o novo governo pode vencer a inércia e acelerar os mecanismos de devolução dos créditos tributários dos exportadores. E deve encaminhar a desoneração da folha de salários.
Com o regime de câmbio flutuante, seria natural se esperar uma depreciação do real na medida em que cresce o déficit em conta corrente. Hoje o déficit corresponde a 2,39% do PIB e caminha para 3% em 2011. Com o mundo desenvolvido em crise, porém, os investidores estrangeiros se voltaram aos mercados emergentes em busca de rentabilidade e não estão muito preocupados com seus déficits externos ou internos.