Título: Rio-2012: inerte ou catalisadora?
Autor: Eli da Veiga , José
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2010, Opinião, p. A13

A próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável corre risco de rebaixamento subliminar ao ser chamada de "Rio+20". Ela não foi convocada para fazer um balanço da execução da Agenda21, adotada em 1992. Ao contrário, a proposta aprovada pela Assembleia Geral prevê um novo compromisso político global que inclua "desafios novos e emergentes". Particularmente os três já indicados para o processo preparatório: "economia verde", "erradicação da pobreza" e "arranjo institucional".

Não poderia ser mais óbvia a ponte com a "Green Economy Initiative" (GEI), lançada em 2008 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), com o objetivo de apoiar governos na formulação de políticas de incentivo à adoção de tecnologias limpas, energias renováveis, manejo de recursos naturais e de resíduos, novas práticas agrícolas etc.

Iniciativa que logo fez emergir a "Green Economy Coalition" (GEC), uma frente de treze organizações internacionais de consumidores, trabalhadores, empresários, ambientalistas e pesquisadores. Sob a liderança de uma das mais antigas entidades independentes de caráter socioambiental: o International Institute for Environment and Development (IIED), criado em 1971, pela pioneira economista britânica Barbara Ward (1914-1981).

GEI e GEC entendem que "economia verde" será aquela que, além de se tornar justa e resiliente, também consiga melhorar a qualidade de vida de todos dentro dos limites ecológicos deste planeta. Por mais que essa ideia possa parecer com a busca da quadratura do círculo, é exatamente esse o significado do novo valor em processo de legitimação chamado de sustentabilidade. O que não significa, todavia, que tudo permaneça tão utópico quanto tal definição.

Ao menos uma organização já abordou a ambição por sustentabilidade de forma bem concreta e estimulante: o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), em brochura de 73 páginas, publicada em fevereiro com o título "Vision 2050 - The new agenda for business". Resultado de um mutirão de 29 grandes empresas globais, cuja lista em ordem alfabética começa com Accenture e Alcoa e termina com Volkswagen e Weyerhaeuser. Documento disponível em inglês e português no portal do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS): www.cebds.org.br

O método adotado pelo WBCSD foi imaginar o que poderia ser um mundo sustentável em 2050, para daí deduzir quais são os imperativos para a segunda década do século ("Must haves by 2020") nos âmbitos da economia, do desenvolvimento humano e dos valores. Resultou em lista de 37 diretrizes, das quais 30 no âmbito econômico, todas ancoradas na vontade de que o crescimento implique cada vez menos consumo de recursos naturais e degradação ecossistêmica.

Claro, não se deve esperar que em brochura desse tipo seja enfrentado o dilema que levou o governo britânico a perguntar se a transição a uma economia sustentável não exigirá "prosperidade sem crescimento" (www.sd-commission.org.uk). Mas o texto supera as expectativas ao assumir sem subterfúgios as recomendações da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi (www.stiglitz-sen-fitoussi.fr) para a superação do PIB como medida do desempenho econômico. Ainda mais por adotar a Pegada Ecológica como indicador de sustentabilidade ambiental, na contramão do Relatório de Desenvolvimento Humano 2010, que flerta com a insidiosa ferramenta do Banco Mundial chamada de "Poupanças Líquidas Ajustadas".

Tão ou mais crucial é a ênfase dada pelo WBCSD à necessidade de reestruturação energética com o objetivo de tornar competitivas as opções solares e eólicas, e de se criar uma autoridade independente para monitorar a nuclear. Para tanto, aposta que até 2020 o carbono terá um preço global, o que forçosamente colocará em desvantagem quem estiver subestimando agora a urgência de concentrar as atividades de ciência e tecnologia na busca dessas inovações.

É preciso torcer, então, para que a abordagem do WBCSD ajude a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a reformular sua "estratégia", criticada neste espaço em 19 de outubro. O mesmo se aplica à Confederação Nacional da Indústria (CNI), cuja plataforma foi aqui comentada em 15 de junho. Enfim, todos os interessados no processo preparatório da Rio-2012 deveriam seguir o exemplo do WBCSD e divulgar visões para 2050 e metas para 2020.

Justamente com o intuito de alavancar tal processo, os "Diálogos Itaú de Sustentabilidade" promovem dia 22 uma roda de conversa sobre a agenda que permitirá evitar o rebaixamento da Rio-2012 para garantir seu papel catalisador do desenvolvimento sustentável. Dessa roda participarão a senadora Marina Silva, o economista e filósofo Eduardo Giannetti e o cientista político e jornalista Sergio Abranches.

José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo, escreve mensalmente às terças-feiras. www.zeeli.pro.br.