Título: A duvidosa eficiência da injeção de liquidez do Fed
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2010, Opinião, p. A14

Não foi surpresa a decisão do Federal Reserve Open Market Committee (Fomc, o comitê de política monetária do Fed, banco central americano) de lançar um novo programa de compra de títulos em circulação para injetar liquidez nos mercados e tentar estimular a letárgica economia dos EUA. Resta agora aos outros países, especialmente os emergentes como o Brasil, monitorarem os efeitos que a deliberação terá no desequilíbrio cambial e na guerra comercial globais.

A vitória dos republicanos nas eleições legislativas americanas que acabam de ocorrer, além de representar uma derrota histórica para os democratas, deixou o presidente Barack Obama praticamente sem outros instrumentos para estimular a economia que não sejam os de política monetária. Os republicanos defendem o conservadorismo fiscal, o corte de gastos e a menor interferência do Estado na economia.

Desde o encontro de presidentes de bancos centrais em Jackson Hole, Wyoming, em setembro, o presidente do Fed, Ben Bernanke, já havia acenado com a possibilidade de retomar as compras de títulos. Bernanke revelou que, com os juros perto de zero, o Fomc tinha que recorrer a outros instrumentos para estimular a economia, entre os quais ressaltou três: injetar mais liquidez com a compra de títulos, mudar o padrão de comunicação para induzir os movimentos do mercado e reduzir os juros sobre os excedentes de reservas bancárias.

Quando a crise eclodiu, em 2007, a primeira resposta do Fed foi baixar o juro básico americano que estava em 5,25%. No fim de 2008, a taxa já estava entre zero e 0,25%. Mas o corte do juro foi insuficiente e o Fed foi obrigado a aderir às injeções de liquidez, por meio da compra de títulos, também chamadas de afrouxamento monetário, política seguida também por muitos outros países, inclusive o Brasil. O Banco da Inglaterra, por exemplo, confirmou ontem a manutenção do seu programa de compra de ativos de 200 bilhões de libras. O membro do comitê de política monetária do Banco da Inglaterra, Adam Poser, é um dos ardorosos defensores das compras em larga escala de títulos do mercado. Para Poser, "mudar as taxas das reservas bancárias e manter os juros baixos podem ajudar na margem, mas não têm o mesmo impacto das grandes compras de títulos".

O primeiro programa americano de compra de títulos foi gigante. Envolveu US$ 1,75 trilhão, mas terminou no primeiro semestre, sem resultados significativos na economia. Como está no comunicado do Fomc, a recuperação da produção e do emprego está "desapontadoramente lenta". O desemprego continua elevado, em 9,6%. Depois de ter crescido 5% no quarto trimestre de 2009, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 3,7% no primeiro trimestre deste ano, 1,7% no segundo e 2% agora no terceiro.

Mesmo com os juros baixos, os consumidores hesitam em comprar por causa do temor do desemprego e das pesadas dívidas ainda não digeridas. Pelos mesmos motivos, os bancos evitam ampliar o crédito.

No novo programa anunciado nesta semana, o Fomc se dispôs a comprar US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro, preferencialmente de longo prazo, em operações mensais de US$ 75 bilhões, até o fim do primeiro semestre. Além disso, o Fomc manteve a política de canalizar para a compra de novos títulos os recursos recebidos na liquidação dos papéis de aquisições anteriores, o que pode somar mais US$ 300 bilhões.

Dos onze membros do Fomc, apenas votou contra a injeção de liquidez o presidente do Fed do Kansas, Thomas Hoening. Para ele, os riscos de novas compras de títulos superam os benefícios. Hoening receia que a excessiva acomodação monetária aumente a probabilidade de desequilíbrios financeiros futuros e a expectativa de inflação de longo prazo, que podem desestabilizar a economia.

Se há dúvidas a respeito da eficiência dos resultados dos programas de compra de títulos, é indiscutível o impacto negativo que essa maciça injeção de liquidez está tendo nos mercados globais. A compra de títulos cria volumosos fluxos de capital que buscam melhor retorno em mercados emergentes, contribuindo para o desequilíbrio cambial. Países cobiçados por esses capitais, como o Brasil, têm a moeda valorizada e a competitividade prejudicada nas relações comerciais. Como resultado, crescem os déficits em conta corrente.

Tudo isso será um prato cheio nos debates da reunião dos presidentes do G-20, que ocorrerá na próxima semana, em Seul, na Coreia do Sul. Mas vai se frustrar quem esperar uma solução.