Título: Pancadaria eleitoral toma conta do discurso
Autor: Rizzo, Alana ; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 21/07/2010, Política, p. 2

Propostas consistentes para resolver problemas nacionais ficam de lado na estratégia de Dilma Rousseff e de José Serra. Presidenciáveis priorizam o corpo e corpo e uma coleção de críticas às práticas de campanha dos rivais

Uberlândia (MG) e Goiânia A distância de 330km entre Dilma Rousseff e José Serra, candidatos à Presidência da República, não impediu que o confronto institucionalizado superasse a discussão de projetos para o país. A petista, ainda sob o efeito das declarações tucanas e do DEM de que o PT e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) manteriam conexão, afirmou que o concorrente promove campanha apelativa por estar desesperado. Serra, por sua vez, acusa os petistas de sustentar uma estratégia pautada por teatralidade e mentiras. Jamais imaginei que, diante da adversidade, meu adversário recorresse a certas atitudes que não honram uma campanha eleitoral num país como o Brasil. O Brasil exige de nós qualidade nesse debate eleitoral, exige apresentação de propostas e debate de alto nível, disse Dilma.

A campanha do PT alega que o tucanato deu nova proporção aos ataques por estar perdendo terreno. A frase do vice na chapa tucana, Índio da Costa (DEM-RJ), acusando a legenda rival de representar o que há de pior, como as Farc e o narcotráfico, seria, assim, sintoma da tendência. Mesmo tentando desvincular a ligação direta entre PT e tráfico, Serra endossou a relação do partido com o grupo militar.

Não descerei a esse nível e não haverá ninguém capaz de me fazer descer a esse nível. Portanto, não concordo em continuar esse tipo de polêmica. Não são as questões que o povo brasileiro merece escutar, ouvir e discutir, afirmou Dilma Rousseff, ontem, em visita a Uberlândia (MG). O PT, por meio da militância e da internet, mantém a artilharia posicionada. Fico triste ao ver que alguém da minha geração ainda pense que baixaria pode surtir efeito. Nós somos iguais aos times do Telê Santana: não entramos no jogo para fazer faltas, só para jogar o futebol-arte, cutucou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

O tal futebol-arte citado por Padilha é visto na campanha petista como meta, principalmente para evitar ações como a de Dilma em evento do PSB, na segunda-feira. Na ocasião, a ex-ministra teria entrado na discussão de biografias por meio de ataques pessoais, o que é visto pelos marqueteiros como forma de alimentar o interesse tucano. Diante do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, presidente do PSB, a petista afirmou que o verdadeiro pai dos medicamentos genéricos foi o ex-ministro Jamil Haddad (PSB). A difusão da quebra da patente dos remédios é uma das bandeiras de Serra.

Aquiles Enquanto isso, o candidato do PSDB opta por fazer ataques ao PT, que, desde o escândalo do mensalão, é o calcanhar de Aquiles do presidente Luiz Inácio Lula Silva. Serra lançou uma nova onda de ataques. Discursando para um público de empresários goianos, tradicionalmente conservadores e animados com a campanha tucana, ele afirmou que o PT faz uma campanha de mentira, de teatro e de processar vítimas. Segundo ele, o partido e a própria candidata Dilma Rousseff divulgam informações mentirosas com a intenção de atrapalhar a campanha. Ele cita, por exemplo, o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), que o tucano cobra a paternidade e o PT discorda, e os medicamentos genéricos, implantados enquanto o tucano ocupava o Ministério da Saúde.

Todo mundo sabe do meu papel a respeito dos genéricos. Não vou ficar dando explicações. É só ela se informar mais que não dirá coisas semelhantes, ironizou. Serra disse ainda que o PT espalhou que ele iria privatizar os Correios, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, além de proibir concursos públicos. É tudo o que eu defendo. O PT, para o tucano, funciona como uma máquina de intimidação, que quer restringir até a atuação da Justiça(1). Basta olhar o programa de direitos humanos do governo, o programa aprovado pelo PT e a versão apresentada à Justiça Eleitoral, disse.

Serra também fez um crítica nominal à Dilma na questão energética. O apagão dos anos 1990 foi motivado pela seca e precisávamos de mais hidrelétricas mesmo. O outro foi incompetência administrativa, disse.

1 - Procuradores apoiam Cureau A ameaça do PT de processar a vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, despertou a reação da Associação Nacional dos Procuradores da República. Em nota divulgada ontem, a ANPR defendeu Sandra e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que já havia criticado a intenção do PT de intimidar o Ministério Público. É lamentável que se tente de forma equivocada intimidar a atuação legítima da instituição, diz a nota da ANPR, assinada pelo presidente da entidade, Antonio Carlos Bigonha. Sandra Cureau criticou a postura do presidente Lula, que estaria cometendo abuso de poder político em prol de Dilma Rousseff. Diante disso, o PT ameaçou propor representação contra ela no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

O apagão dos anos 1990 foi motivado pela seca e precisávamos de mais hidrelétricas mesmo. O outro foi incompetência administrativa

José Serra, cutucando Dilma Rousseff

Duas multas para Dilma

Dilma Rousseff recebeu ontem mais duas multas de R$ 5 mil. As infrações foram aplicadas pelo ministro Henrique Neves, do TSE, que acatou representações do Ministério Público Eleitoral contra a candidata do PT à Presidência. No primeiro processo, a ex-ministra foi punida por propaganda eleitoral antecipada em inserções veiculadas pelo PT em São Paulo e, no segundo, por irregularidade em propaganda exibida pelo PT no Amazonas. Ao todo, Dilma deve à Justiça Eleitoral R$ 31 mil. Seu principal cabo eleitoral, o presidente Lula, soma R$ 42,5 mil em penalidades. Cabe recurso ao TSE.

Duas ações contra Serra

A vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, entrou ontem com duas representações no TSE contra o presidenciável tucano, José Serra. Ele é acusado de propaganda eleitoral antecipada durante inserções do PSDB veiculadas em 24 e 29 de março. Segundo uma das acusações, Serra teria usado o espaço na propaganda partidária da TV para exaltar realizações de governos de seu partido. No outro processo, Sandra Cureau destaca que o ex-governador de São Paulo divulgou antes da hora projetos políticos que pretende adotar caso seja eleito presidente da República.

Análise da notícia

Potência do interior

Principal cidade da região do Triângulo Mineiro, Uberlândia estende sua influência de Uberaba até Catalão (GO). Com cerca de 650 mil habitantes, é a segunda maior do estado e a segunda maior do interior do Brasil, excluindo as capitais e os municípios das regiões metropolitanas. Perde apenas para Campinas (SP). A economia é baseada na agroindústria e reúne fortes competidores atacadistas nacionais, como o Grupo Martins e a Arcom, além de empresas dos setores alimentício, como a Sadia, e de tabaco, caso da Souza Cruz.

Nos últimos anos, a cidade tem se transformado em um centro de fornecimento de produtos para o Sul e Sudeste e ponto de escoamento para a exportação, competindo com Resende (RJ). Neste ano, foi inaugurado um entreposto da Zona Franca de Manaus no município. Dilma e Serra têm dado atenção especial à região de olho tanto no potencial econômico quanto na possibilidade multiplicadora de votos através da influência política da macrorregião. Serra, durante a pré-campanha, prometeu estender o gasoduto que hoje chega a São Carlos (SP) até Uberlândia. (TP)

Excessos de um paulista

Com visual praticamente monocromático, que incluía blazer no calor do Centro-Oeste, José Serra desembarcou ontem para a segunda visita à capital de Goiás este ano. À vontade numa plateia formada por empresários e entusiastas da campanha tucana, o ex-governador de São Paulo falou por mais de uma hora e atacou pontos polêmicos da gestão petista, recebendo aplausos diversas vezes. Depois da palestra, contudo, ficou desconcertado com o comentário de que deveria evitar usar exemplos de São Paulo. Questionou integrantes da campanha e aliados se havia mesmo certo exagero nas apresentações. Serra e a cúpula tucana têm a missão de minimizar a imagem de político paulista que ele carrega. A preocupação é ainda maior com o Nordeste e a frase do empresário despertou um alerta.

São exemplos importantes, disse o tucano, vangloriando-se de ser, segundo ele, o governador que mais inaugurou obras no estado. O tucano citou durante os mais de 80 minutos de apresentação a nota fiscal paulista, que reduz a carga tributária no estado, e que, se eleito, ampliaria para todo o país. Citou ainda a obra do Rodoanel, o metrô, as escolas técnicas, o programa Mãe Paulistana, que inclui pré-natal para grávidas de baixa renda. Serra também encontrou-se com o arcebispo da cidade e chefiou uma carreata no centro da capital ao lado do candidato ao governo Marconi Perillo e do senador, candidato à reeleição, Demostenes Torres (DEM). (AR)

Rispidez, um fantasma

Dilma Rousseff ainda convive com um fantasma dos tempos em que era ministra. Apesar dos esforços da campanha e do marketing em exorcizá-lo, ela alterna momentos de tranquilidade informal com situações de rispidez gratuita. Em rápido encontro privado com empresários e políticos do Triângulo Mineiro, Dilma deu uma dura na candidata a deputada estadual Liza Prado (PSB) por interromper duas vezes a distribuição de cumprimentos da ex-ministra com os presentes. O Correio presenciou a militante do PSB aproximando-se de Dilma, enquanto ela apertava a mão de empresários, e pedindo que ela aparecesse na janela para acenar aos cerca de 150 militantes que aguardavam o início da caminhada pelo centro de Uberlândia. A candidata à Presidência atendeu na primeira vez, mas, na segunda, deu um chega pra lá em Liza. Ou faço uma coisa ou outra, afirmou, sem jogo de cintura.

A candidata a deputada estadual, vereadora na cidade, ficou com um sorriso amarelo. Dilma rapidamente percebeu o constrangimento criado e tentou contornar. Abraçou Liz e pediu para tirarem fotos. Disse para os assessores: Depois mandem para ela, viu?. O embaraço ocorreu depois de Dilma deixar os empresários e políticos aguardando por cerca de duas horas enquanto dava entrevistas a veículos de comunicação regionais. Cerca de 100 empresários e lideranças locais, segundo informações do PT, se aglomeraram no mezanino do hotel em que a campanha armou o QG. A ideia, organizada pelo deputado Gilmar Machado (PT-MG), era Dilma fazer um discurso. Ela, no entanto, só apertou a mão dos presentes e posou para fotos.

A rispidez, folclórica na época em que era ministra da Casa Civil, contrastou com a imagem de rua da candidata. Na caminhada de cerca de 500 metros pelo centro de Uberlândia, ao lado do ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel, do candidato ao governo mineiro Hélio Costa e do presidente do PT, José Eduardo Dutra, cerca de 150 pessoas participaram, segundo informações da PM. A petista andou entre populares, desfilou em carro aberto, distribuiu beijos, acenos, pegou criança. Durante o trajeto, ao recusar uma garrafa de água, uma militante do PT brincou: Ela é dama de ferro, não precisa de água, aguenta até o fim.

O ato terminou após ela tomar cafezinho e comer pão de queijo num tradicional bar de Uberlândia, o Real Café, que exibe fotos de políticos. Damião Matos, dono do bar, brinca que o apelido do estabelecimento é Butantan. Dizem que é porque sempre tem um monte de cobras por aqui. (TP)

Jamais imaginei que, diante da adversidade, meu adversário recorresse a certas atitudes que não honram uma campanha eleitoral

Dilma Rousseff, sobre José Serra