Título: A oportunidade em Seul
Autor: Young-kwan, Yoon
Fonte: Valor Econômico, 05/11/2010, Opinião, p. A15

A arrogância, via de regra, produz desastre. A causa básica da crise global atual foi arrogância intelectual, na forma da crença cega de que os mercados sempre resolveriam os seus próprios problemas e contradições. Trinta anos após a revolução de Reagan e Thatcher, o pêndulo ideológico começou a oscilar na direção oposta.

Nos últimos cem anos, cada vez que uma mudança dessa magnitude ocorreu nas crenças sobre as relações entre Estado e mercado, deu-se uma importante comoção político-econômica. Por exemplo, a Primeira Guerra Mundial marcou o fim do liberalismo não intervencionista do século XIX e precedeu um período de sistemas econômicos centrados no Estado. A Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial inauguraram a nova era do sistema de Bretton Woods, de um relacionamento mais equilibrado entre Estado e mercado.

Analogamente, a crise financeira global de 2008 encerrou três décadas de neoliberalismo, caracterizadas pelo livre comércio e a globalização financeira. Ainda não conhecemos a natureza da era diante de nós: só podemos estar certos de que a economia global está no meio de uma transição de grande magnitude, e que os métodos antigos não funcionarão mais.

A principal preocupação nesse período de grande incerteza é se a transição para um novo paradigma pode ser gerenciada sem desestabilizar ainda mais a ordem político-econômica internacional. Já existem alguns graves sinais de apuros, como a guerra cambial travada entre Estados Unidos e China, e sua disseminação a outros países.

Na verdade, as condições globais atuais têm mais semelhanças do que diferenças preocupantes com o começo da década de 1930. Assim, cada Estado voltou a sua atenção para dentro de si mesmo, desperdiçando valiosas oportunidades de alcançar a prosperidade comum por meio da coordenação política internacional. O vácuo de liderança causado pela relutância dos EUA de cooperar e pela súbita incapacidade do Reino Unido de liderar, resultaram no fracasso da Conferência de Londres de 1933, que é frequentemente considerada como aquela que abriu o caminho para a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial.]

Se os líderes do G-20 conseguirem chegar a acordos específicos e efetivos sobre taxas de câmbio e desequilíbrios globais sem ofuscar outros assuntos, as perspectivas de um pouso suave para a economia global melhorarão sobremaneira.

Depois de aprender as lições dos anos de 1930, a ordem econômica global pós-guerra foi construída sobre uma rede de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, e aquilo que acabou se transformando na Organização Mundial do comércio (OMC). Mas as lições do passado parecem estar distantes demais nas mentes dos atuais formuladores de política, enquanto a pressão doméstica para colocar as economias nacionais em primeiro plano parece ser esmagadora.

Além disso, as instituições criadas nos dias que se seguiram à Segunda Guerra Mundial já não parecem ser eficazes o bastante para satisfazer os desafios da economia global e perderam parte da sua legitimidade. Por exemplo, a autoridade do FMI sofreu na década recente - especialmente na Ásia - com o profundo comprometimento do Fundo com a ortodoxia neoliberal e o chamado "Consenso de Washington".

Assim, a primeira tarefa do encontro do G-20 em 11 e 12 de novembro em Seul deverá ser revitalizar e fortalecer a regulamentação financeira global e o FMI. Se os líderes do G-20 também conseguirem promover avanços significativos para a resolução das negociações em Comércio Exterior da Rodada de Doha, contribuirão positivamente para a estabilização econômica global.

Há sinais de que o encontro de Seul possa ser bem-sucedido. O encontro dos ministros das Finanças e dirigentes de bancos centrais do G-20 em Kyeongju, em 22 de outubro, resultou em decisões como a transferência de 6% das cotas de voto do FMI da Europa excessivamente representada para os países emergentes sub-representados, duplicando as cotas dos membros e reduzindo a representação da Europa no conselho executivo do Fundo em dois assentos.

O FMI também recebeu poderes para conduzir o Processo de Avaliação Mútua das políticas macroeconômicas de cada país no âmbito da Estrutura para Crescimento Sólido, Sustentável e Equilibrado. Essa autoridade deve permitir que o Fundo inspecione mesmo as economias mais poderosas do mundo, os EUA e a China. O acordo recente promovido pelo comitê da Basileia sobre Supervisão dos Bancos sobre um novo arcabouço de adequação de capital representa outro passo positivo.

Mas os temas estratégicos que permeiam as mentes dos líderes do G-20 serão as taxas de câmbio e os desequilíbrios globais. O encontro de Kyeongju decidiu que os países do G-20 devem avançar na direção de taxas de câmbio determinadas pelo mercado e perseguir "políticas que conduzam à redução dos desequilíbrios excessivos e à manutenção dos desequilíbrios em conta corrente em níveis sustentáveis".

Esses dois temas poderão ou não estar sobre a mesa para discussões adicionais em Seul. Se os líderes do G-20 conseguirem chegar a acordos específicos e efetivos sobre taxas de câmbio e desequilíbrios globais sem ofuscar outros assuntos, as perspectivas de um pouso suave para a economia global melhorarão sobremaneira. Caso contrário, o protecionismo e as guerras comerciais se intensificarão, e ficaremos um passo mais perto de reviver o pesadelo da década de 1930.

Seja como for, a reunião de cúpula do G-20 em Seul provavelmente assinalará um divisor de águas na história da economia política global do pós-guerra.

Yoon Young-kwan foi ministro das Relações Exteriores da Coreia do Sul em 2003-2004, atualmente é livre docente de Relações Internacionais na Universidade Nacional de Seul. Copyright: Project Syndicate, 2010.