Título: Pressão por ajuste fiscal após eleição vai opor EUA ao G-20
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 04/11/2010, Internacional, p. A12

O Partido Republicano venceu as eleições legislativas nos Estados Unidos empunhando uma bandeira de conservadorismo fiscal, às vésperas de uma reunião de líderes do G-20, na Coreia do Sul, em que o Brasil e outros países emergentes, como a China, defenderão que o governo americano amplie os gastos públicos para estimular sua economia, em vez de lançar mão de mais medidas monetárias.

O receio do Brasil é que, com a nova rodada de expansão quantitativa de US$ 600 bilhões, anunciada ontem pelo Fed (o banco central americano), o dólar sofra novas pressões para desvalorização, tirando competitividade das empresas brasileiras que exportam ou concorrem com produtos importados. O aumento de gastos pelo governo americano, na visão brasileira, poderia ajudar a manter a moeda americana mais forte.

Os americanos, porém, votaram anteontem pela austeridade fiscal, elegendo uma maioria do oposicionista Partido Republicano na Câmara dos deputados e diminuindo a vantagem do governista Partido Democrata no Senado.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), que está assessorando o G-20 nas discussões sobre o reequilíbrio macroeconômico das principais economias globais, segue relativamente confortável com a perspectiva de contenção fiscal nos Estados Unidos já em 2011, segundo uma alta fonte da instituição ouvida pelo Valor.

"Vemos como apropriado um ajuste fiscal em 2011, que está em linha com nossa projeção de crescimento de 2,3% da economia americana no ano que vem", disse essa fonte. "Mas, é claro, se o crescimento econômico for muito fraco, os planos [de consolidação fiscal] devem ser reconsiderados."

Os cálculos do FMI, que estão servido de ponto de partida para as discussões do G-20, são de que a economia mundial tem a ganhar se os EUA começarem a colocar em prática a partir do ano que vem um gradual plano de ajuste fiscal, desde que, do outro lado, a China tome medidas para ampliar seu consumo doméstico, reduzir a taxa de poupança e permitir a valorização do yuan. Se os dois lados tomarem as medidas simultaneamente, estima o FMI, a economia mundial poderá ter crescimento adicional de 2,5% até 2014, favorecendo todos os países. "Se todos agirem ao mesmo tempo, teremos um resultado melhor para todos", disse a fonte.

Um dos riscos mais relevantes é que os estímulos fiscais feitos pelo governo Barack Obama, incluindo partes do pacote de estímulo de US$ 800 bilhões que ainda não foram implementadas, sejam desmontados precocemente, prejudicando ainda mais a fraca recuperação da economia americana.

Ainda há muita dúvida, porém, sobre qual será a real agenda fiscal dos republicanos. Os analistas econômicos mais céticos dizem que há pouco espaço no orçamento americano para cortes de gastos ou redução de impostos.

Um dos pontos que devem mostrar a temperatura do debate fiscal é a definição do teto para a dívida pública americana, hoje fixado em US$ 14,3 trilhões. O débito já está em US$ 13,7 trilhões, e o Tesouro depende de uma alta no limite para continuar a emitir dividas. Normalmente, esse é um tema incontroverso, mas na campanha eleitoral os republicanos atacaram os democratas por tê-lo aumentado da última vez, em fevereiro.

Antes do começo da nova legislatura, porém, o Congresso deverá decidir sobre a extensão dos cortes de impostos feitos pelo governo George W. Bush, que expiram no começo de 2011. Os republicanos defendem a manutenção dos cortes. Já Obama quer que o benefício expire para os contribuintes de maior renda, que ganham mais de US$ 250 mil por ano. Esses pagariam mais imposto de renda.

Ontem, Obama indicou que tentará manter algum controle sobre a iniciativa fiscal, ao convidar os republicanos a trabalhar junto com o governo no tema. "O povo americano está absolutamente preocupado com gastos, dívida pública e os déficits", disse, na entrevista em que fez o balanço das eleições. O ponto de partida, segundo ele, serão as sugestões que a comissão formada pelos dois partidos irá apresentar em dezembro para controlar as contas fiscais.