Título: O voto em Sabará, onde o Brasil foi mais Marina
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2010, Especial, p. A16

No caminho de Belo Horizonte a Sabará, passando pelo populoso bairro de General Carneiro, é difícil encontrar muro branco sem cartazes ou pichações em favor do governador Antonio Anastasia (PSDB), do senador eleito Aécio Neves (PSDB) e dos candidatos derrotados ao governo, Hélio Costa (PMDB) e ao Senado, Fernando Pimentel (PT). Para não falar da propaganda de candidatos a deputado federal e estadual, sobretudo a do cacique local, o deputado estadual reeleito Wander Borges, presidente do PSB mineiro. O que não se vê é qualquer menção aos candidatos presidenciais José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e a derrotada Marina Silva (PV). A quase inexistente campanha presidencial em Sabará (MG) foi o principal combustível para explicar os 42,5% dos votos que Marina Silva teve na cidade, em sua maior vitória proporcional do país. A petista Dilma Rousseff teve 35,8% dos votos dos 80 mil eleitores da cidade e o tucano José Serra, 20,2%. Cidade-dormitório de BH, a apenas 20 quilômetros de distância, Sabará acentuou a tendência já registrada na capital. Em BH, Marina teve a sua maior votação entre as capitais, com 39,9% do total.

"Talvez os aliados de Dilma e Serra tenham priorizado outros embates. Nas últimas 48 horas da campanha, não se empunhou bandeiras por aqui. Foi uma virada silenciosa", constatou a deputada federal Jô Moraes (PC do B-MG), referindo-se à capital. Marina foi ainda bem votada em outras cidades da região metropolitana, ficando em segundo lugar em Santa Luzia (36,9%), Betim (31,5%), Contagem (34,7%), Ribeirão das Neves (31,7%) e Ibirité (30%).

Em Sabará, a campanha presidencial também se viu diante de um vazio. A cidade é governada pelo irmão de Wander Borges, William Borges, do PV. O próprio William afirma que ele e Wander são, acima de tudo, aecistas. "Temos um vínculo muito profundo com Aécio e Anastasia, são R$ 40 milhões de investimentos aplicados aqui", afirmou. O PSDB é inexistente na cidade: não tem um vereador sequer. E para os irmãos Borges, Aécio só pediu votos à reeleição de Anastasia. Com apoio tucano para a reeleição a deputado estadual, Wander Borges em momento algum pediu votos para Dilma. A campanha da petista ficou a cargo do vice-prefeito da cidade, Argemiro Ramos , que coligou-se aos Borges e ao pequeno PMDB local.

William Borges atendeu ao pedido do presidente regional do PV, o ex-vice-prefeito de BH, Ronaldo Vasconcelos, e chegou a pedir votos para Marina em alguns eventos de campanha , dos candidatos do PV que apoiava para deputado, nenhum deles entre os mais votados da cidade. Mas há dúvidas em Sabará se o resultado derivou unicamente do prestígio dos Borges. "Concretamente ninguém fez campanha para presidente algum", comentou um adversário local dos Borges, o vereador Jessé Batista (PMDB).

Em um segundo turno, os apoiadores de Dilma temem o engajamento da família Borges na campanha de Serra, caso sejam instados a isso por Aécio. "Não há dúvidas de que ele tem poder de fogo para direcionar grande parte do eleitorado de Sabará. E é extremamente ligado a Aécio", comentou outra oposicionista, a vereadora Terezinha Van Stralen, a única do PT na Câmara.

A influência de Wander Borges sobre o eleitorado de Sabará é grande, mas descendente. Ele reelegeu-se deputado estadual, mas obteve votação abaixo da esperada na cidade. O parlamentar conseguiu 28 mil votos em Sabará, o equivalente a 40% dos válidos. Em 2006, havia obtido 34 mil votos, ou 58% do total. A hipótese de engajamento de Aécio é vista com ceticismo por William Borges.

Ao ser perguntado sobre seu comportamento no segundo turno, afirma: "Vou aguardar a posição de Marina". E se a posição de Marina for pela neutralidade? "Aí vou aguardar a posição do PV". E se o PV liberar seus filiados? "Teria dificuldades em apoiar o PT. Poderia não fazer nada". E se Aécio pedir o empenho da família para Serra? "Ele não vai pedir. Não pediu no primeiro turno, não acredito que peça agora", disse. O engajamento dos Borges em uma campanha tucana já não existiu em 2006, ocasião em que o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve 57% dos votos no primeiro turno e o tucano Geraldo Alckmin, 30%.

Os 80 mil eleitores de Sabará estão dispersos por doze bairros sem ligação entre si, dos quais o centro histórico - ao lado de Mariana o mais antigo de Minas, fundado pelo bandeirante Borba Gato na virada do século 17 para o 18 - é um dos menores núcleos populacionais. A cidade até pouco tempo atrás vivia em função da siderúrgica Belgo Mineira, a mais antiga de Minas Gerais, fundada em 1919, que empregava 4,2 mil operários em sua indústria na cidade. Hoje, poucas centenas trabalham na unidade da Arcelor Mittal, que incorporou a antiga empresa. Os ex-funcionários da Belgo tornaram-se prestadores de serviço ou quando bem sucedidos montaram pequenas metalúrgicas com, no máximo, vinte empregados. A pulverização tirou a expressão política do Sindicato dos Metalúrgicos local.

Grandes favelas foram erguidas na divisa com BH, com forte inclinação evangélica. Em um dos bairros, o de Nossa Senhora de Fátima, há 65 templos evangélicos e três igrejas católicas, com apenas um padre. Teria começado na saída dos cultos e das três faculdades privadas a onda a favor de Marina . "Senti a tendência a favor dela quando fui pedir votos nas denominações", disse Jessé Batista, evangélico. "Pastores vieram confirmar se Marina era realmente da Assembleia de Deus. Queriam só saber se não havia sido adesão oportunista", afirmou William Borges.