Título: Decreto sobre IOF deixa dúvidas
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2010, Financas, p. C1
O decreto que eleva as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a entrada de capital externo para renda fixa, de 2% para 4%, publicado ontem, trouxe muitas dúvidas aos participantes do mercado financeiro. A principal delas diz respeito sobre como deve ser tributado o ingresso de capital para investimento em fundos. Há possibilidade de dupla interpretação também em outros instrumentos financeiros, como é o caso de debêntures e derivativos, segundo escritórios de advocacia ouvidos pelo Valor.
De acordo com o decreto, permanece com alíquota de 2% o ingresso de recursos "para aplicação no mercado de capitais", enquanto o dinheiro que entra para "aplicação no mercado financeiro" sobe para 4%. Fica explícito no decreto que o tributo recai na entrada dos recursos e deve ser recolhido na hora do fechamento do câmbio.
No entanto, a separação entre os dois mercados, o financeiro e o de capitais, não é claro. Para os escritórios de advocacia, o governo precisaria enumerar claramente qual instrumento financeiro se enquadra em qual categoria para evitar disputas jurídicas futuras. Não bastam as declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Ontem, inúmeros bancos procuraram a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e a ABBI (Associação Brasileira dos Bancos Internacionais) para buscar esclarecimentos. Conferências por telefone chegaram a ser realizadas com integrantes das áreas técnicas dessas entidades, sem conclusão. Os bancos e gestores de fundos também trocavam telefonemas entre si, sem saber como proceder ao certo.
O escritório de advocacia Mattos Filho recomendou a seus clientes que continuem a pagar alíquota de 2% no ingresso dos dólar para fundos, inclusive os de renda fixa. "Eu sei que a intenção do ministro da Fazenda era subir a alíquota desses fundos para 4%, mas o decreto baixado ontem aponta na direção dos 2%", afirma Andrea Bazzos, sócia do Mattos Filho.
Segundo ela, a interpretação do escritório é que os fundos são, claramente, transações do mercado de capitais, pois são regulados pela Comissão de Valores Mobiliários. "O governo precisa conceituar melhor o que é mercado financeiro e o que é mercado de capitais", diz.
Andrea Bazzo acredita ainda que as debêntures podem ser consideradas um instrumento do mercado de capitais, ainda mais se a distribuição for ampla e pública. Derivativos cujo ativo de referência são ações e o Ibovespa claramente são transações do mercado de capitais. Mas e os derivativos de câmbio e de juros, qual o critério a seguir? Ninguém sabia ontem ao certo.
Os fundos de ações e os fundos de participações, no entender do Mattos Filho, são instrumentos do mercado de capitais, pois também são regulados pela CVM.
O escritório de advocacia Pinheiro Neto, também bem atuante no mercado financeiro, informou que preferiu não se posicionar por enquanto. "Vamos aguardar para ver se o governo deixa mais claro na lei que tipo de tributo deve ser usado em cada caso", disse Flávio Weitzman, advogado do Pinheiro Neto. Segundo ele, o decreto adotou uma linguagem "genérica demais" e isso pode trazer inúmeras interpretações.
Andrea Bazzo conta que os fundos multimercado, que compram ações e também títulos de renda fixa, ficam em situação fiscal ainda mais nebulosa. "As carteiras desses fundos mudam todo o dia, não é possível definir na entrada do dinheiro se ele ficará mais na renda fixa ou variável", afirma ela. Weitzman lembra que, quando o IOF para renda fixa e variável era diferenciado, até o começo de 2008, sendo zero para o ingresso para renda variável e 1,5% para renda fixa, os fundos multimercado eram tratados como renda fixa e tinham o IOF de 1,5% no ingresso do dólar.
Andrea Bazzo conta que, nessa época anterior a 2008, se um investidor ingressava com recursos para renda variável e depois migrava para a renda fixa, acabava fechando no mercado interno uma operação de câmbio simbólica para, dessa forma, pagar o tributo. "Não sei como os bancos vão fazer desta vez, mas deverá ser algo semelhante", diz.
Segundo ela, as únicas transações que ficam claramente definidas como do mercado financeiro são as de títulos públicos.