Título: Política fiscal sugere elevação do juro
Autor: Bittencourt , Angela
Fonte: Valor Econômico, 06/10/2010, Financas, p. C7

A retomada da alta do juro básico no Brasil está no radar e não é descartada para daqui a alguns meses se o próximo governo - qualquer que seja ele - não apertar o cinto. O Banco Central (BC) pode ganhar tempo com a fragilidade da economia internacional. Mas a opção de política fiscal do novo governo pesará nas expectativas que se formam em torno da sinalização do BC, quanto à necessidade de uma âncora fiscal para a política de juros. Só que o BC parte de uma premissa fiscal da qual o mercado ainda não se aproxima.

Para o BC, superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) é uma das condições para a convergência da inflação para o centro da meta e para o cálculo do juro neutro - aquele que mantém a inflação na linha sem comprometer o crescimento econômico. Mas o mercado não vê o resultado fiscal alcançando essa marca. O superávit primário está praticamente estabilizado em 2% do PIB em 12 meses. A média da projeção de 10 instituições consultados pelo Valor é de superávit de de 2,5% em 2010 e 2,9% em 2011. Para 2012, a projeção média de seis fontes é de 2,6%. Na pesquisa Focus, divulgada ontem, a estimativa para o superávit primário de 2010 permaneceu em 2,6%, mas recuou de 2,93% para 2,8% para 2011.

"O cenário do BC pressupõe superávit primário cheio de 3,3% do PIB em 2011, que não contempla resultados primários feitos sobre Petrobras, megadepósitos judiciais e superdividendos de bancos públicos", afirma o especialista em política fiscal Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora para quem o BC sinaliza a perspectiva de um esforço contracionista de 1 ponto percentual na demanda agregada.

"Excluindo os truques contábeis, a premissa fiscal do BC representa uma genuína e robusta âncora sobre as despesas públicas correntes no ano que vem. A passagem de um primário de 2% do PIB até agosto para 3,3% do PIB em 2011 comporta um esforço de 1,3 ponto percentual que não virá da contração dos investimentos públicos no PIB nem um salto na carga tributária. Restará, portanto, o peso sobre o ajuste da despesa corrente, que precisará crescer menos que a economia", comenta Montero.

O economista alerta que chegar à projeção do BC requer desaceleração das despesas públicas. "Estabelecida, em tese, essa restrição sobre gastos correntes de quase um terço da economia, fica uma importantíssima âncora fiscal como suporte da taxa neutra de juros do BC. Assistida de tamanha âncora fiscal, a taxa neutra de juros ganha grande apoio e consistência. Não é difícil ver a taxa neutra oficial nesse quadro fiscal. O difícil é ver esse quadro fiscal a cada passe do Ministério da Fazenda tornando a receita elástica à sua vontade", avalia.

Para Felipe Salto, especialista em política fiscal da Tendências Consultoria Integrada, as "traquinagens" contábeis do governo devem elevar o superávit deste ano à meta de 3,3% do PIB e podem justificar a manutenção de juro alto por muito tempo, além de tirar transparência das contas públicas com o risco de prejuízo à credibilidade do país, inclusive, junto a investidores estrangeiros. "Em 2010, com R$ 31,9 bilhões a mais, decorrentes da operação da Petrobras, o superávit que estimamos em 2,6% do PIB, chegará a 3,3%. Mas essa operação está completamente fora do padrão fiscal. O Tesouro elevou a dívida para fazer o resultado primário e a dinâmica da dívida pública", avalia.

Para o economista da Tendências, superávit de 2,6% do PIB corresponde efetivamente ao esforço contábil que o governo pode fazer. O resto, diz, é uso de "contabilidade criativa" que leva abaixo toda a credibilidade cultivada pela Lei de Responsabilidade Fiscal. "O PT assumiu, garantindo responsabilidade fiscal, mas começou a afrouxar. A curto prazo não acontece nada porque a economia vai bem. Mas a médio prazo impõe-se resistência à queda do juro e a perda de transparência pode, sim, afugentar os estrangeiros. O governo não deve se esquecer que o país precisará de financiamento porque a deterioração das contas externas é um fato e num mundo ainda confuso", alerta Salto.

Mauricio Oreng, economista do Itaú Unibanco, considera positivo o estímulo fiscal do governo mais voltado para o investimento do que para o consumo, mas pondera que a política fiscal continua impulsionando excessivamente a demanda agregada, alimentando o risco de inflação. "A expectativa de registro de aproximadamente R$ 25 bilhões em receitas extraordinárias pelo governo federal em setembro deve tornar a meta cheia de superávit primário de 2010 (3,3% do PIB) factível. No entanto, um ajuste nos gastos ainda se faz necessário", avisa em relatório.

O economista calcula que o superávit de 3,3% do PIB neste ano só poderá ser atingido com o bloqueio de cerca de R$ 20 bilhões em gastos federais. O bloqueio mais melhoria de resultado de governo regionais e estatais para 1% do PIB no agregado, derrubaria o ritmo semestral de crescimento real das despesas de 13% em junho para 4% em dezembro.

Supondo que não haja mais receitas pontuais a partir de outubro, diz Oreng, o Itaú Unibanco optou por um cenário intermediário de ajuste de gastos, que elevaria o superávit primário observado para 2,9% do PIB (e o recorrente para 2,2%). Do ponto de vista fiscal, atingir a meta de 2010 com ou sem as deduções (do PAC) tem relevância limitada a esta altura.

"A questão mais importante é se a política fiscal vai buscar os 3,3% de superávit em 2010 com ênfase nos gastos e não mais nas receitas. Um ajuste de gasto poderia ter impacto de curto prazo importante na demanda agregada, possivelmente ajudando a reduzir risco de inflação", afirma Oreng.

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator, alerta para divulgação, na pesquisa Focus, das distribuições de frequências das expectativas para a inflação e Selic 12 meses à frente. Pela primeira vez, o BC apresentou essa estatística para a Selic. A expectativa para o IPCA em 2011 saiu do entorno de 4,80% no fim de julho para cerca de 5% no começo de outubro. A contrapartida dessa alta pode estar explicada pela distribuição de frequência para a Selic. "O valor mais frequente é 10,75% e sugere que os participantes da Focus passam a atribuir mais probabilidade à manutenção da Selic atual, mesmo à custa de um pouco - aparentemente bem pouco - mais de inflação."