Título: ONG pelo voto distrital vai se opor a projeto do PT
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Fonte: Valor Econômico, 22/11/2010, Especial, p. A12

O deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP) não conseguiu se reeleger. Mas já encontrou o que fazer na política no próximo ano. Decidiu criar uma organização não governamental (ONG) em defesa do voto distrital.

Na tentativa de mudar o sistema eleitoral brasileiro, que considera "estourado e desmoralizado", Madeira organiza o movimento. Tem conversado com deputados e quer expandir a causa para além do mundo político e dos entusiastas que já abraçam a ideia, como os cientistas políticos Amaury de Sousa e Bolívar Lamounier e os economistas Roberto Macedo, Joaquim Levy e Gustavo Franco.

O grupo fez as duas primeiras reuniões neste mês. Está preparando um manifesto, procura financiadores e planeja lançar um site para difundir a proposta. No meio empresarial, o maior apoio vem da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Madeira tem pressa. Quer lançar o movimento até o começo do ano que vem, a tempo de criar um polo de oposição ao projeto de reforma política do PT, o qual considera o "horror dos horrores". "O governo vem aí com a lista fechada", lembra.

O tom de preocupação do deputado decorre das recentes demonstrações da cúpula do PT, que afirma que ressuscitará, mais uma vez, sua proposta de alterar o modelo eleitoral brasileiro.

Desde 2007, o PT foi derrotado duas vezes ao tentar mudar o atual sistema proporcional de lista aberta - no qual os eleitores escolhem diretamente os candidatos - para o sistema de lista fechada, pelo qual os cidadãos votariam apenas em partidos.

Com as forças renovadas pela eleição de Dilma Rousseff e a base ampliada na Câmara e no Senado, os petistas têm mais chances de aprovar uma reforma política que exige maioria constitucional de três quintos. Rumores e declarações dadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicariam que ele mesmo tomaria a tarefa como uma de suas principais missões depois de sair do Planalto.

Enquanto o PT, há três anos, está mais ou menos coeso em torno da lista fechada (embora tenha havido defecções de parcelas consideráveis de sua bancada nas derrotas que teve), o PSDB tem uma postura mais recalcitrante. Sua tendência é em direção ao voto distrital e suas variantes, mas já chegou a votar no modelo preferido do partido adversário.

O voto distrital puro, que entre os tucanos tem em Arnaldo Madeira um de seus principais defensores - ele é autor de uma proposta de emenda constitucional sobre o assunto -, é o modelo adotado pela maioria dos países anglo-saxões, a exemplo de Estados Unidos e Reino Unido, e pela França.

Teria como vantagem combater um dos principais defeitos do sistema político brasileiro: a distância entre representantes e representados. É esse o argumento mais forte dos distritalistas.

Ao criar pequenos distritos que elegeriam um único representante, o voto distrital favoreceria a criação de vínculos mais estreitos entre os eleitores e seus parlamentares. Cada deputado ou vereador (caso se aplicasse também às eleições municipais) seria o responsável pelas demandas de sua respectiva região. Na disputa para a Câmara dos Deputados, o Estado de São Paulo, por exemplo, que tem uma bancada de 70 parlamentares, seria esquadrinhado em 70 distritos. Cada deputado seria eleito em uma circunscrição de cerca de 430 mil votantes.

"O problema é que no Brasil temos eleição, mas não representação", critica Arnaldo Madeira.

Nesse aspecto, o voto distrital seria um remédio adequado e provocaria efeito oposto ao da lista fechada defendida pelo PT, que afastaria ainda mais os representantes dos representados. Ao votar apenas em partidos, o eleitor deixaria para as direções partidárias a prerrogativa de definir a ordem dos candidatos. Na lista fechada, caso uma sigla obtenha uma votação que lhe dê direito, por exemplo, a dez vagas, os dez primeiros nomes da lista são os eleitos. Como o mais importante é cultivar relações dentro do partido, para garantir uma boa posição na lista, os parlamentares não têm incentivos para manter laços com os eleitores. O partido é que acaba transformando-se em seu distrito.

Por essa e por outras possibilidades é que Madeira considera a lista fechada como "um horror dos horrores".

"Não quero que a direção partidária determine quais candidatos serão os primeiros da lista. Não quero que vendam lugar na lista. O parlamentar fica mais distante. É o contrário do que precisamos", afirma.

O deputado, porém, concorda que o voto distrital, como qualquer sistema eleitoral, também tem seus defeitos - embora procure minimizá-los.

Como desenhar os distritos, para que eles tenham um número equivalente de eleitores? A questão é sempre um desafio em qualquer país que adote o modelo. Nos Estados Unidos, quando os censos indicam aumento ou redução na população, são as Assembleias Legislativas as responsáveis por redesenhar os distritos. A atribuição implica em decisões que podem favorecer o partido e os políticos que controlam a Casa. Foi assim que, num caso exemplar de manobra, Elbridge Gerry, governador de Massachusetts e vice-presidente dos Estados Unidos, entrou para a história, em 1812, ao forçar que seu distrito coincidisse com seus redutos eleitorais, criando um desenho que lembrava uma salamandra. O episódio acabou por batizar a prática na política americana, denominada de "gerrymandering", termo que junta o nome de Gerry ao final da palavra salamandra em inglês (salamander).

Para Arnaldo Madeira, seria possível fugir do desenho político ao atribuir a responsabilidade para o TSE e os TREs que teriam uma consultoria do IBGE. Pequenos municípios seriam reunidos até se atingir o tamanho do eleitorado desejado. E a formação dos distritos nas grandes cidades partiria da divisão já existente de zonas eleitorais. A arbitrariedade da montagem, contudo, permanece.

Outra desvantagem do voto distrital seria uma suposta tendência a paroquializar o debate público, levando a discussão para o terreno dos interesses locais e não dos mais amplos, de grandes correntes de opinião.

O deputado rebate dizendo que o Congresso hoje é dominado pelos representantes das corporações, como as do funcionalismo público, que "tiram o que querem" e põem medo nos parlamentares. Pelo sistema distrital, afirma Madeira, o legislador representaria o eleitor mediano de sua circunscrição e ganharia autonomia no Parlamento.

"Mais paroquial do que é hoje? A Câmara dos Deputados é uma Câmara de Vereadores. Os políticos vivem priorizando a obtenção dos recursos de emendas parlamentares para atender suas bases. A própria eleição à Presidência teve caráter municipal, por exemplo com aquela promessa (de Dilma Rousseff) de construir creches", afirma Madeira.

Em busca de uma vantagem específica do voto distrital - de aproximar eleitor e eleitos - o deputado parece não se importar com outros possíveis efeitos que a reforma traria.

Um deles é a característica do sistema de dificultar a representação dos partidos de pequeno e médio porte e sua tendência ao bipartidarismo. A mudança para o voto distrital poderia significar, neste sentido, um impacto tão grande ou maior que a adoção da lista fechada. Ao se basear em distritos que elegeriam apenas um representante, o sistema deixaria de ser proporcional e passaria a ser majoritário. Isso significaria uma quebra na tradição proporcionalista brasileira, que se deu com a maior incorporação das massas no processo eleitoral na República de 46.

Arnaldo Madeira afirma que a redução do número de siglas e a criação de um sistema bipartidária seriam até benéficos, pois trariam maior governabilidade.

O deputado, contudo, admite que uma mudança para o voto distrital puro seria um "choque muito violento". Por isso, ressalta que o movimento também abarca propostas de mudança para o distrital misto. O modelo, surgido na Alemanha, virou moda nos anos 90, quando foi adotado por diversos países, como Itália, Rússia e Ucrânia, que, no entanto, o abandonaram em seguida.

Madeira considera que o distrital misto seria um sistema que reuniria mais consenso, pois atrairia aqueles que querem preservar a força dos partidos. No entanto, tradicionalmente, a face proporcional do modelo é feita com a lista fechada - considerada um horror pelo próprio deputado.

Madeira tem uma visão negativa do papel dos partidos na democracia. Ao defender o distrital misto, ele aponta que uma das vantagens do modelo alemão é a previsão do lançamento de candidaturas avulsas nos distritos.

"No Brasil, só existe um partido, que é o PT. Os outros são cartórios de registros de candidatura, inclusive o PSDB. São aglomerados de lideranças locais e regionais fortes, mas que não definem um projeto claro de nação", diz.