Título: Cessão de crédito trava com PanAmericano
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2010, Finanças, p. C3

O mercado de cessão de carteiras de crédito está praticamente travado. Desde que o rombo do PanAmericano veio à tona, expondo um furo de R$ 2,5 bilhões na contabilidade, grandes conglomerados financeiros, fundações e assets têm evitado adquirir novos portfólios de consumo ou recebíveis de financeiras e bancos de pequeno e médio porte. Com o aparente engessamento, a oferta de crédito neste fim de ano, período de maior demanda do consumidor, corre o risco de ficar restrita aos grandes nomes do varejo bancário. Conforme o Valor apurou, instituições que têm operações vencendo não estão conseguindo vender novos créditos. A limitação atinge até mesmo aquelas que têm o consignado como principal linha de negócio. O problema é que a cessão é uma das principais fontes de "funding" das instituições menores que atuam no varejo, mas não têm rede para captar recursos. O dinheiro, quando liberado, é em volume inferior ao da cessão original. O custo também subiu, conta um executivo do setor.

Embora no caso do PanAmericano não tenha havido "default", como foi no traumático episódio do Banco Santos, liquidado em 2004, as circunstâncias se agravam pelo fato de o setor ter vivido um recente aperto de liquidez, após a quebra do americano Lehman Brothers. Entre 2008 e 2009, os investidores institucionais privilegiaram as instituições maiores. Foi na esteira daquele movimento, que o Banco do Brasil (BB) comprou fatia do Banco Votorantim e a Caixa Econômica Federal acabou levando 49% do capital votante do PanAmericano. Foi ali também que o Banco Central (BC) costurou com o mercado o depósito a prazo com garantia especial (DPGE).

"Agora não há muito o que se fazer, não há como se criar uma nova operação com o FGC (o Fundo Garantidor de Créditos, que assegura depósitos a prazo de até R$ 20 milhões) e também não dá para obrigar um banco a te emprestar dinheiro", desabafa um outro executivo do setor.

Na retaguarda estariam nomes como Bradesco, Santander, Itaú e HSBC. Santander e Itaú não responderam ao Valor. O Bradesco, em nota informou que a política do banco permanece a mesma: analisar caso a caso as oportunidades de mercado. A reportagem não conseguiu contato com a assessoria do HSBC.

Segundo Renato Oliva, presidente da ABBC (entidade que representa os bancos menores), os grandes bancos não suspenderam os limites, mas têm pedido mais informações sobre as carteiras cedidas e sobre a forma de contabilização desses ativos. Quem depende desse tipo de "funding", por sua vez, tem providenciado estudos e auditorias para dar a maior transparência possível aos números das operações realizadas nos últimos 12 ou 24 meses e, assim, tranquilizar os investidores. "Se houve alguma interrupção ou diminuição na captação foi pontual, nada que venha a preocupar a gestão no dia a dia."

O executivo conta que as instituições têm outras formas de equacionar o "funding", diminuindo, por exemplo, a geração de operações de crédito e preservando o caixa, como medida preventiva. Não há números consolidados, mas Oliva estima que mercado de cessão de crédito gire entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões, um volume pequeno quando comparado ao estoque de CDB, na casa do R$ 1 trilhão. Só que a cessão é um instrumento importante porque nela as instituições conseguem casar a captação com o ativo gerado, o que é mais difícil no interbancário. Para ele não é o instrumento que está em xeque. "Não há outros PanAmericanos no mercado."

Os bancos, fundações e assets ficaram um pouco mais cuidadosos, mas essa é uma reação típica de períodos pós-turbulência, tende a passar, diz o novo presidente da Acrefi (a entidade que representa as financeiras), Érico Sodré Ferreira, que assumiu o posto deixado por Adalberto Savioli, um dos diretores destituídos do PanAmericano no dia 9. "(O PanAmericano) é um caso anômalo, inconsistências contábeis não fazem parte do receituário das instituições financeiras, nós somos respeitadores das regras e circulares do BC, esse episódio pegou todo mundo de surpresa."

Num dos melhores anos para a indústria de crédito, no Brasil com expansão consistente das carteiras, ganhos reais de renda e queda da inadimplência, ele diz que a restrição temporária não afetará os resultados das financeiras no ano, mas pode limitar a oferta. "Espero que uma eventual falta de liquidez não atrapalhe a demanda dos tomadores." Como uma das primeiras bandeiras à frente da entidade, Ferreira quer apoiar a criação de uma central de registro de cessões de crédito, medida já sugerida pelo BC, e aponta a Cetip como um dos agentes que, rapidamente, poderia colocar esse sistema em prática.