Título: Ciclo de expansão
Autor: Garrido , Juan
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2010, Especial, p. F1

Uma das previsões que ilustram o atual cenário promissor da indústria mineral brasileira é a de que, em 2010, o saldo da balança comercial do setor poderá chegar a US$ 18,5 bilhões, enquanto o saldo total do comércio exterior do país não deverá ultrapassar os US$ 16 bilhões - diferença que se explica pela expectativa de déficit nas balanças de outros setores da economia.

Para o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Paulo Camillo Penna, essa alta geração de caixa da mineração oferece ao país a possibilidade de investir em importação de equipamentos e outros produtos que não são fabricados aqui. "O setor mineral é responsável por mais de 50% do saldo positivo da balança brasileira e está projetando para 2010 exportações de US$ 25 bilhões e importação de US$ 6,5 bilhões", diz. Ele observa que o minério de ferro ocupa o primeiro lugar na lista de produtos que geram a maior renda na pauta de exportações.

Penna diz que houve um decréscimo na produção de minérios em 2009, ocasionado pela crise mundial, mas estima que para 2010 a produção ultrapasse os US$ 35 bilhões e continue crescendo entre 10% e 15% ao ano nos próximos três anos. "Registramos em 2000 um valor de produção total de US$ 8 bilhões e em 2008 passamos para US$ 28 bilhões", diz, detalhando que o recuo de 2009 representou o valor de US$ 24 bilhões.

De acordo com ele, um dos grandes indutores da demanda mineral é o processo de urbanização do mundo. "Em 2008, o planeta passou a se dividir meio a meio entre população rural e urbana e a projeção é que em 2050 cerca de dois terços da população more nas cidades", cita. Penna ressalta que nos próximos 20 anos as previsões mostram que 800 milhões de chineses devem migrar do campo para o meio urbano da China. "Esse será um fator determinante para o desenvolvimento sustentado da atividade mineral brasileira, pelas boas perspectivas de exportações."

Além do processo de urbanização, colaboram para o ciclo de crescimento - que inclui um boom de investimentos privados no setor - a recuperação dos preços das commodities minerais. Um dos sinais positivos é o de que pela primeira vez em muitos anos a China deixou de comprar os títulos do Tesouro americano para investir em ativos reais como ferro, cobre e outros minérios.

Os recursos investidos pela indústria mineral não se restringem à lavra, mas abarcam a logística, um dos maiores gargalos do país. "Se o setor público não provê ferrovias e minerodutos na velocidade exigida pela atual dinâmica de desenvolvimento da atividade mineral, as empresas são obrigadas a tentar reduzir esse descompasso", observa Penna.

Há grandes projetos brasileiros em curso que estão vinculados à execução de obras de minerodutos. É o caso do projeto da unidade de negócio de minério de ferro Brasil da Anglo American, que está implantando o mineroduto que compõe o Sistema Minas-Rio. E também do terceiro mineroduto - com 400 quilômetros de extensão, cortando 25 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo - incluído no projeto de duplicação da Samarco Mineração, do grupo Vale. Além desses, existem projetos de minerodutos sendo estudados em território baiano pela Bahia Mineração.

No fim de 2008, houve uma queda acentuada no preço internacional das commodities minerais - entre 50% e 60% -, mas a partir do segundo semestre de 2009 foi possível identificar uma tendência de recuperação sustentável que continua em 2010. Em relação a essa retomada, Penna cita que com a implementação, a partir de abril deste ano, dos reajustes trimestrais do minério de ferro propostos pelas maiores mineradoras globais - Vale, Rio Tinto e BHP Billiton -, todas as demais commodities minerais foram beneficiadas. Antes disso, os preços internacionais do ferro eram fixados anualmente.

Para o diretor-executivo de ferrosos da Vale, José Carlos Martins, em um ambiente de rápido crescimento, o antigo sistema de negociações anuais bilaterais não atendia a dinâmica de oferta e demanda de minério de ferro. O novo sistema de preços suaviza a volatilidade diária dos preços spot, porque estabelece um preço trimestral baseado na média de três meses, terminando um mês antes do novo trimestre. Esse sistema permite que as siderúrgicas saibam de antemão o preço a ser pago no trimestre seguinte, o que facilita o controle de custos e o gerenciamento de estoques.

Em agosto, o Ibram reviu para cima sua expectativa de investimentos privados no setor para o período 2010-2014. O que alguns meses antes representava US$ 54 bilhões agora está fixado em US$ 62 bilhões nesse período de cinco anos - mais de US$ 12 bilhões de inversões por ano. No segmento de minério de ferro, serão investidos US$ 39,2 bilhões até 2014 (63% do total). Se comparado ao período anterior (2009-2013) , houve aumento de 32%. Só no caso da Vale, nada menos que 18 grandes projetos entrarão em operação entre 2010 e 2012, o que exigirá recursos da ordem de US$ 26 bilhões.

Roger Downey, presidente da MMX Mineração e Metálicos - mineradora do Grupo EBX do empresário Eike Batista -, está otimista com o aquecimento do mercado de minério de ferro a partir da retomada da demanda mundial. "Por conta das boas perspectivas pela frente, a MMX está investindo em projetos que irão mais que quadruplicar sua produção."

A MMX possui dois sistemas em operação: sistema Sudeste, localizado em Minas Gerais, e sistema Corumbá, no Estado do Mato Grosso do Sul. A mineradora também está presente no Chile, onde adquiriu direitos minerários para a extração de minério de ferro na região do deserto de Atacama.

Segundo Downey, a produção anual da MMX, em Serra Azul (no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais), passará dos atuais 8,7 milhões de toneladas para 26 milhões de toneladas e ainda será desenvolvido, a partir do zero, um projeto greenfield em Bom Sucesso (no Centro-Oeste mineiro), para 10 milhões de toneladas por ano.

Penna diz que até o fim do ano o Ibram deverá fazer uma revisão para cima dos investimentos em função de novos projetos. Esses investimentos estão espalhados por quase todo o país, mas os principais Estados mineradores continuam sendo Minas Gerais, que receberá US$ 24,3 bilhões, ou 39,2% do total (bauxita, alumina, ferro, fosfato, ouro e logística), seguido do Pará, com US$ 23,7 bilhões ou 38,2% do bolo (alumínio, bauxita, manganês, cobre, ferro, níquel e ouro). Em terceiro lugar surge a Bahia como nova fronteira mineral, com US$ 6 bilhões até 2014 (ferro, bauxita, ouro e vanádio).

Tomando como base esses novos investimentos, a produção de minério de ferro, que em 2010 deve atingir 370 milhões de toneladas, dobrará de tamanho em 2014, alcançando 728 milhões de toneladas. A alumina, cuja produção prevista é de 8,9 milhões de toneladas, mais que dobrará, chegando a 18,9 milhões de toneladas em 2014. O cobre, cuja produção deverá ser de 217 mil toneladas em 2010, também terá uma variação positiva de 2,2 vezes em 2014, passando a 475 mil toneladas.

Apesar do alto nível de investimentos em produção e extração, o Brasil aplica poucos recursos na pesquisa mineral. Os brasileiros ficaram em 2009 com apenas 3% (US$ 234 milhões) de todo o investimento mundial em pesquisa (US$ 7,3 bilhões), situando-se bem atrás de países territoriamente menores como o Peru (7% do total de investimentos) e o Chile (5%). Mas essas percentagens enganam, porque a situação é ainda mais grave. O Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados e o Peru, por exemplo, mal passa de 1,1 milhão de quilômetros quadrados. "Considerando-se os investimentos absolutos o Peru aplica US$ 398,8 por quilômetro quadrado, enquanto o Brasil despende minguados US$ 27,4 por quilômetro quadrado", diz Penna, apontando que só 30% do território brasileiro está geologicamente mapeado.