Título: Holofotes do mercado se voltam para Portugal
Autor: Lewis , Jeffrey T. ; Bjork , Christopher
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2010, Financas, p. C3

A esperança de que o plano de resgate que está sendo preparado para a Irlanda iria interromper as pressões do mercado financeiro sobre outros governos europeus diminuiu ontem, quando a queda dos mercados financeiros da região jogou os holofotes sobre Portugal como o próximo dominó com potencial de cair. Alguns parlamentares manifestaram a expectativa de que o resgate irlandês diminuiria as tensões em outras economias da União Europeia. "Espero que, com a Irlanda buscando ajuda no fundo da UE, a situação do mercado irá se normalizar porque Portugal estava claramente sendo contagiado", disse o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates. "Não há relação entre Portugal e a Irlanda."

A ministra da Economia da Espanha, Elena Salgado, reiterou que seu país não pedirá assistência financeira externa para diminuir o déficit no orçamento ou para equilibrar as finanças. "A Espanha está honrando seus compromissos (de reduzir o déficit) e os resultados já são tangíveis", afirmou a ministra à rádio estatal RNE.

Mas o mercado de ações espanhol fechou em queda de 2,7%, enquanto o principal índice de Portugal encerrou o pregão em baixa de 1,4%. "Depois da confirmação de que a Irlanda será resgatada, os mercados estão perguntando se é tempo de fazer o mesmo com Portugal e, eventualmente, Espanha ou Itália", informou a corretora espanhola Banca March em nota aos seus clientes.

Os investidores estão preocupados que a crise da Irlanda seja, em breve, a de Portugal. Os bônus de Portugal registraram apenas um pequeno ganho depois do resgate da Irlanda, enquanto o custo de garanti-los contra inadimplência disparou. Custos similares de garantias para a Espanha, Grécia e Irlanda também deram um salto.

Se Portugal tiver que recorrer ao fundo de ajuda da União Europeia, serão necessários ¿ 51,5 bilhões (US$ 69,7 bilhões) ao longo dos próximos três anos para cobrir o déficit orçamentário previsto e fazer o resgate de bônus do país que estão para vencer, de acordo com números do HSBC. Para a Espanha, seriam necessários mais de ¿ 350 bilhões, o que testaria de forma bastante severa a capacidade da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional.

Portugal enfrenta uma greve geral amanhã, antes da uma votação prevista no Parlamento, na sexta-feira, referente a planos de gastos do governo depois de uma batalha liderada pela minoria do governo Sócrates para cortar o orçamento.

Miguel Macedo, líder do PSD, maior partido de oposição de Portugal, disse ontem que a decisão irlandesa poderia aliviar as pressões sobre Portugal, mas que o governo não deveria interromper os esforços para cortar o elevado déficit orçamentário. "Portugal não pode parar de fazer o que tem feito diariamente para sair do radar dos mercados internacionais", disse. "Temos que executar rigorosamente o orçamento que vamos aprovar esta semana, e fazer isso bem porque é a única forma de reconquistar a credibilidade com os mercados."

Mas Tullia Bucco, economista do banco UniCredit, em Milão, disse que "é difícil ver o que poderia tornar Portugal seguro". "Não acho que a aprovação do orçamento irá acalmar as coisas. Quanto mais a pressão do mercado continuar, maiores as chances de Portugal ter que pedir algum tipo de ajuda."

Portugal teve um déficit orçamentário equivalente a 9,3% do produto interno bruto de 2009, e o objetivo é reduzi-lo para 7,3% este ano e para 4,5% em 2011.

Economistas do Citigroup disseram que, até agora, Portugal não conseguiu mostrar "uma melhora clara em 2010, especialmente em comparação com outros países periféricos da zona do euro, como Grécia, Irlanda e até mesmo a Espanha".

O governo informou ontem que os gastos aumentaram 2,8% nos primeiros dez meses do ano, em comparação com um crescimento de 2% nos primeiros nove meses. Mas a receita aumentou 4,6%, enquanto o previsto no plano orçamentário para o ano era 1,2%. Sindicatos que representam cerca de 650.000 trabalhadores, incluindo todos os do setor público e a maioria do privado, anunciaram apoio à greve de amanhã.

"Esperamos uma grande adesão, especialmente nas áreas de saúde e educação, mas é normal que os sindicatos dos setores privados também participem", disse Ana Avoila, líder da Frente Comum, que representa os sindicatos dos servidores.

A previsão é de que o plano de resgate da Irlanda inclua um pacote para estimular a recapitalização dos bancos. Na Espanha, que sofreu uma bolha imobiliária semelhante, os bancos foram punidos. As ações do Banco Santander SA, o maior do país, caíram 4%, e as do seu principal rival, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria SA, 3,9%, com alto volume de negócios. Em Portugal, que não vivia um boom imobiliário, a maior instituição, o Banco Comercial Português SA, e o rival Banco Espírito Santo caíram 4,3%.

O euro caiu cerca de 1% para US$ 1,3592, depois de ter subido inicialmente para US$ 1,3780, após as notícias do resgate da Irlanda. Os bônus do governo irlandês também subiram fortemente pela manhã em Londres, mas recuaram para os níveis de sexta-feira diante de preocupações com a frágil coalizão montada pelo governo irlandês. O rendimento dos bônus de dez anos do governo, que se movimenta inversamente ao seu preço, subiu a 8,37% no fim das negociações em Londres, depois de ter caído inicialmente para 8%.

(Colaboraram Patricia Kowsmann, Neil Shah e Stephen Fid