Título: Caso do Noroeste ainda espera julgamento
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2010, Financas, p. C4

Caso se concretize a ameaça, feita pelo Grupo Silvio Santos, de processar a Deloitte por não ter identificado o rombo de R$ 2,5 bilhões no balanço do banco PanAmericano, é possível que demore mais de uma década para que se saiba se a auditoria pode ou não ser responsabilizada pelos problemas na instituição de Silvio Santos. Em um caso que em muito se assemelha ao do PanAmericano, ao menos diante do que se sabe até agora, passados mais de dez anos, ainda não há uma decisão da Justiça. Em 1998, os ex-controladores do banco Noroeste descobriram, durante uma auditoria feita na instituição que antecedeu sua venda para o ABN, um rombo que fez desaparecer metade do patrimônio do banco sem que a empresa responsável pela auditoria nos balanços - a PricewaterhouseCoopers - tenha percebido o desvio.

O caso do banco Noroeste tornou-se emblemático não apenas pelo tamanho do rombo - de US$ 242 milhões, o equivalente à metade do patrimônio do banco - mas pelas suas peculiaridades. Em 1998, as famílias Cochrane e Simonsen, controladoras do Noroeste, fecharam um contrato de venda de seu banco com o ABN, que promoveu uma due dilligence para conhecer a real situação da instituição. Ao perceber que ela era diversa da esperada, acabaram comprando o banco pela metade do valor combinado.

Os ex-controladores atribuíram o desvio ao ex-diretor financeiro Nelson Sakagushi, que ficou no cargo por 14 anos. Segundo as famílias Cochrane e Simonsen, Sakagushi teria utilizado a agência do banco nas Ilhas Cayman - usada para captar dólares para as operações brasileiras que ficavam depositados em contas bancárias nos Estados Unidos - para fazer transferências ilegais de dinheiro. Os desvios teriam sido feitos entre os anos de 1995 e 1997, passariam por "lavadores de dinheiro" na Suíça, Reino Unido, Hong Kong e Cingapura e teriam como destino final a Nigéria.

Após a descoberta do rombo no Noroeste, teve início uma série de processos para apurar responsabilidades. Entre esses processos, dois envolvem a Price, responsável pelas auditorias nos balanços do banco à época. Em um deles, três auditores da Price foram incluídos entre os réus da ação penal aberta para apurar crimes de gestão temerária e omissão de informações. Embora a ação penal - cujo réu principal é Nelson Sakagushi - ainda esteja em tramitação na primeira instância da Justiça Federal, em março deste ano os três auditores da Price foram absolvidos da acusação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o processo contra eles foi encerrado.

Em uma segunda frente de disputa, as famílias Cochrane e Simonsen foram à Justiça pedir à Price uma indenização por danos materiais e morais. Seus herdeiros - mais de 30 representantes das duas famílias - argumentam que a empresa responsável pela auditoria não percebeu o rombo no banco - ou seja, teria sido negligente. Os ex-banqueiros e seus herdeiros pedem uma indenização entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões.

A Price, em outra ponta, argumenta que já havia alertado os controladores sobre práticas contábeis inadequadas que poderiam provocar erros e que, diante da insistência em seu uso, fez novos testes e percebeu o rombo - e que teria relatado o problema aos controladores e ao Banco Central imediatamente, antes mesmo da due dilligence realizada pelo ABN. O processo está pendente de julgamento no STJ, onde tem apenas um voto favorável à Price. Não há data para a retomada do julgamento. A empresa já venceu a disputa em primeira e segunda instâncias.

Passados mais de dez anos e sem uma decisão definitiva da Justiça no caso do Noroeste, as empresas de auditoria são novamente acusadas de não terem percebido problemas em um banco. Desta vez, o Grupo Silvio Santos ameaça processar a Deloitte, responsável pela auditoria nos balanços do banco PanAmericano, por não ter percebido que carteiras de crédito vendidas a outros bancos se mantinham nos balanços, inflando os resultados da instituição. Em outra ponta está a KPMG, contratada pelo Banco Fator para fazer a due dilligence de avaliação do PanAmericano para a compra de 49% de seu capital pela Caixa Econômica Federal, efetivada no fim do ano passado.

A julgar pela demora da Justiça no julgamento do caso do banco Noroeste, é possível que eventuais ações judiciais contra auditorias e ex-diretores do PanAmericano não tenham um desfecho em breve. As empresas de auditoria não se manifestam sobre o assunto. Procurada pelo Valor, a Deloitte informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tem nada a acrescentar sobre o assunto e que não tem conhecimento de ação judicial aberta contra ela. A KPMG informou, também por meio de sua assessoria de imprensa, que não pode se pronunciar por causa de cláusulas contratuais de confidencialidade. A empresa informou, no entanto, que não atuou e não atua como auditor independente do PanAmericano e que foi contratada para executar procedimentos em dados do banco em data room com data base de março de 2009. Ela informou ainda que os limites do trabalho executado não permitiriam que os problemas fossem detectados.