Título: CNI quer que Dilma fixe meta para limitar gasto público
Autor: Luciana Otoni
Fonte: Valor Econômico, 24/11/2010, Especial, p. A16

A indústria perdeu peso relativo no PIB. Tínhamos 34% e hoje temos 25%. Isso é normal em uma economia que cresce"

O PIB da indústria deverá aumentar 11% neste ano e no ano que vem essa taxa deverá ficar em 7%"

O empresário mineiro Robson Andrade, recém-empossado presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), tem à frente a responsabilidade de conduzir a indústria brasileira a uma trajetória de expansão condizente com uma economia em condições de avançar em um ritmo de 5,5% ao ano.

Para atrelar a indústria ao PIB, a CNI enfrentará as consequências do dólar desvalorizado, a maior concorrência com os importados na disputa pelo mercado interno, uma economia internacional retraída e a frequente intenção do governo de ressuscitar a CPMF.

Nesse contexto em que a administração de Dilma Rousseff é uma peça nova no jogo, a indústria quer que a presidente eleita adote uma meta para limitar o gasto público, de forma a criar condições para a redução sustentada dos juros. A CNI também quer que o Banco Central mantenha autonomia na calibragem da política monetária para efeito de controle da inflação.

Para estimular as exportações, os industriais tentam convencer o Ministério da Fazenda a retirar a cobrança do PIS e da Cofins sobre as vendas feitas no exterior e a acelerar a devolução de R$ 17 bilhões em créditos tributários.

Em entrevista ao Valor, Robson Andrade, um líder da indústria que assume a CNI depois de quatro mandatos conferidos a políticos na direção da entidade, afirma que não há risco de desindustrialização, mas que o setor fabril está deixando de fazer investimento em inovação e tecnologia. Ele informa que a indústria encerrará 2010 com crescimento de 11% e que se prepara para uma expansão de 7% no próximo ano.

Valor: Com os sinais de que Dilma Rousseff vai desistir da CPMF, o risco de mais um tributo está afastado?

Robson Andrade: Se a presidente eleita acha que pode abandonar esse projeto de recriação da CPMF, isso é uma decisão ponderada e equilibrada, porque esse é um projeto que não tem o menor apelo por parte da sociedade. Não tem cabimento. Por outro lado, muitas vezes esses projetos nascem não somente do desejo do presidente, mas do desejo de governadores e de deputados que tentar arrumar recursos de maneira fisiológica. Temos que ficar atentos. Não podemos nos descuidar.

Valor: Qual é a estratégia da CNI de combate ao retorno da CPMF?

Andrade: A estratégia é mostrar à sociedade e aos políticos a incoerência da recriação da CPMF, porque isso não resolve o problema. Está provado que destinar determinado imposto à vinculação de despesa não resolve. Muitas vezes esses recursos se perdem no custeio da máquina e precisamos trabalhar melhor a gestão do gasto público que tentar o aumento da receita pura e simplesmente.

Valor: Considerando a montagem da equipe econômica do novo governo, o Banco Central pode vir a perder autonomia e submeter-se ao Ministério da Fazenda? Isso facilitaria a redução dos juros?

Andrade: O presidente Lula manteve o Banco Central independente e isso foi algo responsável para a manutenção do controle inflacionário e monetário do país. Mesmo considerando os juros elevados, temos que reconhecer que Henrique Meirelles teve uma administração bastante rígida. Não acredito que o BC será controlado ou perderá totalmente essa independência. No governo Lula não houve independência total, mas uma independência de gestão. A pessoa que a presidente Dilma nomear tende a continuar com a mesma filosofia. Os nomes que ouvimos falar possuem conhecimento técnico e conhecimento sobre a operação do sistema financeira brasileiro e internacional.

Valor: Qual é o impacto da mudança de comando no BC na gestão na política monetária?

Andrade: Temos que discutir a redução dos juros, o país não pode continuar com a taxa de juros que temos, isso traz uma série de problemas. Por outro lado, a manutenção da independência no Banco Central é importante.

Valor: Qual é a pré-condição para a redução da taxa Selic?

Andrade: Primeiro, é reduzir o gasto público. É preciso uma reforma fiscal para melhorar a qualidade da despesa, diminuí-la e reduzir também o déficit da Previdência.

Valor: Essa redução do déficit da Previdência seria via reforma constitucional?

Andrade: Alguns estudos que tive conhecimento mostram que Brasil passará por momento de quase pleno emprego, porque quando se tem 6% de desemprego isso é quase pleno emprego. Como há uma força de trabalho jovem e como trabalhamos com a tendência de desoneração das exportações e dos investimentos, haverá maior formalização do emprego. À medida que isso aumenta, dá-se mais equilíbrio à Previdência. Hoje, o horizonte é de grande força de trabalho, contribuindo para a Previdência ao mesmo tempo em que a população de aposentados não tende a aumentar muito nos próximos anos. O Brasil está em uma condição privilegiada para preparar o futuro, mas isso dependerá de vontade política.

Valor: O que a CNI sugere como forma de controle do gasto público?

Andrade: Deveria haver um limite para a expansão do gasto em proporção ao PIB. Acho que o Brasil precisa investir mais na qualificação do funcionalismo público e até pagar mais, desde que haja compromisso maior com a máquina pública. Isso tem que ser planejado. Cortar burocracia não reduz o número de funcionários, mas elimina custos e diminui as despesas.

Valor: O sr vê sinais de que o governo Dilma Rousseff terá preocupação em controlar o gasto?

Andrade: Há pessoas, como o Paulo Bernardo, Antonio Palocci e o Guido Mantega, que mostram atenção a isso. Às vezes, o Mantega dá algumas declarações que parecem que ele não se preocupa muito com o gasto, mas nas conversas se vê que ele é preocupado. Essas pessoas são preparadas e conhecem a máquina pública e os grandes problemas do setor público.

Valor: Em que fase estão suas negociações com Ministério da Fazenda em torno das desonerações para o setor exportador?

Andrade: Temos discutido muito a questão das exportações. As exportações de commodities são importantes e quanto mais pudemos vender ao exterior, melhor. E temos que aproveitar o preço no mercado internacional, que está elevado e para o qual há garantia de que permanecerá nesse patamar no futuro. Minério, por exemplo, não dá duas safras, só dá uma. Então, tem que se aproveitar o momento. Por outro lado, o Brasil não pode deixar de exportar produtos manufaturados e com conteúdo tecnológico e de mão de obra.

Valor: Qual é o risco?

Andrade: A indústria é, pelo que desenvolve de inteligência, a responsável pelo aumento de produtividade e de qualidade em diversos setores da economia, como a agricultura e o setor serviços. E faz isso não somente baseado no mercado doméstico, mas baseado, também, no mercado global. Então, o Brasil tem que participar desse mercado global, só que hoje temos visto que esse mercado global quer apenas vir para o Brasil para vender no nosso mercado e não estamos tendo condições de competir de maneira isonômica. Então, é preciso dar condições para a indústria brasileira desenvolver produtos e se preparar para fornecer para outros países. É preciso que a indústria brasileira tenha condições de competir com os concorrentes internacionais no mercado interno e no mercado externo também.

Valor: A saída é desonerar as exportações?

Andrade: É preciso tudo. Desoneração das exportações, solucionar o problema da paridade dólar/real, definir barreiras técnicas e medidas antidumping. É preciso conferir à indústria brasileira condições de desenvolver novas tecnologias.

Valor: Por onde começar?

Andrade: Durante a campanha propusemos à Dilma transferir a administração da Camex para a Casa Civil. Hoje, a Camex está ligada ao Ministério do Desenvolvimento, e dela participam os ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Agricultura, do Desenvolvimento, o Itamaraty, e participa também o setor privado. Como isso é muito importante para política de exportação e de comércio internacional do Brasil, a Camex teria que ficar ligada a um órgão de mais peso, inclusive sobre os outros ministérios. A Casa Civil faria coordenação mais forte, porque tem peso maior sobre a Fazenda, sobre o Itamaraty, e faria coordenação maior das ações e definições que a câmara tomar.

Valor: Essa proposta teve receptividade por parte da presidente eleita?

Andrade: Ela se mostrou receptiva, agora vamos ver a decisão que ela tomará. No Conex [Conselho Nacional de Exportação] aprovamos propostas de desoneração tributária do PIS e da Cofins via compensação de créditos e encargos com INSS. E a Camex vai agora apreciar.

Valor: A Camex aprovará?

Andrade: Acho difícil. Estamos tentando motivar a Fazenda, que tem o olhar mais crítico.

Valor: O setor industrial conta com o pacote de medidas de longo para este ano?

Andrade: Acho que será anunciado este ano. Esse pacote será mais voltado ao crédito de longo prazo, atrelado a investimento e principalmente às obras de infraestrutura. Hoje investimos nisso cerca de 2% do PIB e precisamos avançar para 4% do PIB. O BNDES não vai ser suficiente para apoiar os investimentos que o país precisa, tanto no setor privado como no setor público. Há o pré-sal, os projetos de óleo e gás, toda a infraestrutura, os grandes projetos no setor de energia e de saneamento. É preciso retirar os benefícios voltados para aplicações financeiras especulativas e dirigir essas vantagens para que as empresas possam buscar recursos lá fora e para que os investidores externos possam trazer recursos para aplicação em investimento direto no Brasil.

Valor: Por que o sr. defende a quarentena para os capitais especulativos?

Andrade: Não temos como ter uma medida única que resolva o problema do câmbio. A não ser que façamos como a China, onde o câmbio é tanto e pronto. Mas isso o mercado não aceita, o país está hoje inserido em uma economia globalizada, que não aceita esse tipo de conduta. Por outro lado, o mundo e a economia global aceitam determinadas medidas de defesa da economia. Então, pode-se adotar medidas para onerar as aplicações financeiras de estrangeiros não só com o IOF [Imposto sobre as Operações Financeiras], mas também com o Imposto de Renda. Pode-se, também, criar mecanismos de quarentena para esses investidores não-residentes. O Chile adotou medidas vinculadas a quarentena por quase nove anos que foram muito bem sucedidas. E podemos, ainda, direcionar os recursos que vêm para o Brasil para investimento direto para projetos voltados para a exportação. Por exemplo: não precisamos de investimento estrangeiro em mineração, mas precisamos de recursos para desenvolver semicondutores para exportação. Estamos falando, nesse caso, de tecnologia de ponta, de forma a fazer que esses produtos sejam destinados ao exterior. Assim, começamos a mudar essa matriz de empresas estrangeiras que quiserem vir para cá só para se aproveitarem do nosso mercado interno. Tínhamos um mercado interno fraco e havia subsídios para que as empresas brasileiras exportassem e o mundo falava que isso não podia ser feito e que estávamos na contramão. Agora, temos um mercado interno forte e lá fora eles querem dar subsídios para as empresas estrangeiras virem vender em nosso mercado. A gente está sempre sendo penalizado. Temos que defender nossa economia, o trabalho dos nossos filhos, as nossas empresas e as condições para desenvolvermos a capacidade do país.

Valor: O câmbio está provocando desindustrialização?

Andrade: Não considero que haja desindustrialização. Os dados que temos mostram que a indústria e a economia estão crescendo. Nos últimos anos a indústria perdeu participação relativa na composição do PIB. Tínhamos 34% do PIB e hoje temos 25%. Mas isso é normal em uma economia que cresce, e na qual a agricultura e o setor de serviços se expandem. Temos de analisar o setor, ver o que estamos perdendo em relação a indústrias que são geradoras de tecnologia e de conhecimento.

Valor: Qual é o risco do dólar desvalorizado?

Andrade: O risco é que fica mais barato importar e, assim, não desenvolveremos tecnologias.

Valor: As medidas adotadas pelo governo para conter a valorização do real são suficientes?

Andrade: Essas medidas não dão resposta imediata e não podemos esperar que os resultados apareçam para tomarmos outras medidas. Por exemplo: a desoneração dos investimentos e das exportações pode ser feita de imediato. Medidas de quarentena e de tributação sobre investimentos estrangeiros especulativos podem ser adotadas de imediato, assim como medidas antidumping. Em tudo isso podemos ser mais ágeis.

Valor: Neste ano o Natal será do produto brasileiro ou do produto importado.

Andrade: Acho que será o Natal dos importados. Nisso falamos de produtos de consumo que hoje entram abertamente no país. São importações de produtos manufaturados e de bens de consumo de todo o tipo. Como estamos com um mercado interno aquecido, será bom também para a indústria brasileira. Temos visto que, como não há política voltada para investimento, as empresas nacionais estão sendo substituídas pelos importados. Precisamos mudar essa lógica.

Valor: Quanto a indústria crescerá neste ano?

Andrade: O PIB da indústria deverá aumentar 11% neste ano e no ano que vem essa taxa deverá ficar em 7%.

Valor: E o setor industrial ampliará o nível de investimentos?

Andrade: Acho que sim. O mercado interno está aumentando, vemos muitas decisões de investimento em setores estratégicos como mineração, indústria automobilística, indústria de fármacos, siderurgia, mineração, setor de petróleo e gás, tudo isso faz girar essa indústria de bens de capital e de bens de serviços.

Valor: Na exploração do pré-sal, o setor industrial garantiu a definição do conteúdo local nos fornecimentos à Petrobras?

Andrade: O presidente Lula, quando assumiu, disse que a Petrobras deveria fixar 70% e isso foi importante porque desenvolveu o setor. Sempre se pode discutir que não é 70%, porque tem diferença de preço e os produtos lá de fora são mandados para cá sem impostos. Independentemente disso, a Petrobras deu uma contribuição enorme, na medida que privilegiou as compras no país.

Valor: Para a exploração das reservas do pré-sal, qual é definição do conteúdo nacional?

Andrade: Para esses novos investimentos no pré-sal está sendo negociado o percentual do conteúdo local. A Petrobras alega a necessidade de compras que a indústria brasileira não pode suprir, mas achamos que podemos suprir. No geral, a indústria opera com capacidade de ocupação de 82%, então, há uma faixa para avançar, para investimos mais.

Valor: O que falta definir?

Andrade: Falta definir o percentual do conteúdo nacional. E tem que ser no mínimo 70%.

Valor: A indústria tem condições de atender esse limite e garantir as entregas?

Andrade: Tem. E os chineses, ou qualquer outro país que queira fornecer equipamentos para o pré-sal, deveriam vir para o Brasil, montar uma empresa aqui, trazer a tecnologia para cá, competir aqui, empregando a mão de obra local, operando com a nossa legislação ambiental, trabalhista, e recolhendo os impostos que temos aqui.