Título: Unasul quer criar mecanismo antigolpe de Estado
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2010, Brasil, p. A3

Um "mecanismo enxuto e operacional" para reprimir golpes contra a "ordem democrática" nos países na América do Sul é o principal tema da reunião dos ministros que será realizada hoje na capital da Guiana, em preparação ao encontro dos presidentes da União das Nações da América do Sul (Unasul), amanhã, também em Georgetown. A reunião dos presidentes começa, na prática, hoje, com um jantar de despedida oferecido ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo presidente guianense, Bharrat Jagdeo. Os governos querem um mecanismo que puna com o isolamento governos de países vítimas de golpes de Estado ou violações aos direitos democráticos.

Os diplomatas encarregados do texto a ser discutido pelos ministros e presidentes debatiam ontem o rascunho preparado pelo governo equatoriano, na presidência temporária da Unasul. Para evitar casos como o de Honduras, onde há polêmica sobre se o golpe de Estado no país violou ou não a ambígua constituição local, há preocupação entre os representantes dos governos em deixar claro o compromisso não com uma eventual "ordem constitucional", mas com a "ordem democrática" e criar um instrumento mais eficaz que as regras da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A criação da "cláusula democrática" na Unasul tem apoio mesmo os chamados governos "bolivarianos" com visões próprias sobre a representação democrática, que incluem presidências com amplos poderes e uso recorrente de plebiscitos - como na Venezuela e Bolívia. Esses governos veem na iniciativa uma forma de garantir a pressão de países vizinhos contra as ameaças de golpe que acreditam existir em seus países. Governos mais conservadores têm a expectativa de que a cláusula sirva também para assegurar espaço de manobra às oposições mesmo nesses governos com projetos "revolucionários" de poder.

A Unasul se baseia no chamado Protocolo de Ushuaya, do Mercosul, que exclui do bloco países que atentem contra a democracia. Esse tratado, na avaliação de diplomatas que discutem o tema, foi mais bem sucedido que a OEA como mecanismo dissuasório em ameaças à democracia, e foi usado para abortar uma tentativa de golpe no Paraguai, na década de 90. A Unasul, mais recentemente, serviu para coordenar os esforços dos países da região contra uma rebelião policial que ameaçava transformar-se em golpe contra o presidente do Equador, Rafael Correa.

Outra diferença marcante entre o grupo sul-americano e a OEA, que inclui países da América Central e do Norte, é a forma de tratar de ameaças como o tráfico de drogas - para lidar com a sensibilidade dos países andinos, a comissão sobre o tema tem até o nome de "Comissão para o Problema Mundial do Narcotráfico". A maioria dos governos da região, Brasil inclusive, concorda com as queixas de governos como o da Bolívia, que acusam os EUA e outros países ricos de culpar os produtores de drogas e fechar os olhos aos grandes consumidores (os bolivianos argumentam que, enquanto criminalizam a produção de coca, os EUA discutem a legalização da maconha, já permitida "para usos medicinais" em alguns Estados).

Numa demonstração do estado de espírito do governo brasileiro em relação ao tema, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em reunião de ministros da Defesa das Américas, nesta semana, na Bolívia, disse que as questões de defesa e uso da força militar não podem se confundir, como querem os EUA, com o que ele classificou como "ameaças à segurança", nas quais inclui a repressão ao narcotráfico - missão, segundo Jobim, para as forças policiais federais.

Não se prevê debate acalorado, numa reunião que deverá, também, marcar a consolidação legal da Unasul, que necessita, para ter existência formal, da ratificação nos Congressos de nove de seus 12 integrantes. Oito já o fizeram (entre eles a Argentina, onde é automática a incorporação dos tratados à lei local). Com o bloqueio à ratificação do tratado no Brasil, pela oposição, a nona ratificação está prevista, para os próximos dias, no Uruguai, ou na Colômbia.

Os presidentes devem discutir quem será o novo secretário-geral da Unasul, no lugar do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, morto, por ataque cardíaco, há semanas. O nome mais provável é o ex-presidente uruguaio Tabaré Vazquez, mas, até agora, a diplomacia uruguaia não chegou a se movimentar para defender a candidatura. Os governantes podem decidir dar um caráter mais técnico ao posto, nomeando um diplomata ou um funcionário internacional.

A Guiana, que assumirá a presidência da Unasul, já informou não ter condições de coordenar todos os grupos criados para lidar com a cooperação e coordenação em assuntos comuns, como saúde, educação e ciência, infraestrutura e energia. Deve receber ajuda de países como o Brasil, que comandará pelo menos um desses grupos.