Título: Miriam Belchior mantém núcleo lulista do ABC no governo
Autor: Agostine , Cristiane ; Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2010, Politica, p. A10

A indicação de Miriam Belchior para o Ministério do Planejamento consolida na futura gestão de Dilma Rousseff a presença do núcleo político vinculado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com origem no ABC paulista. Fundadora do PT, Miriam representa o grupo no qual o presidente buscou referências para sua administração, do qual também faz parte Gilberto Carvalho, um dos assessores mais próximos de Lula. A petista participou da construção do plano de governo de Lula em 2002 e levou ao Planalto experiências das gestões de Celso Daniel em Santo André.

Miriam, com 52 anos, teve papel estratégico nos três mandatos de Celso Daniel, considerados pelo presidente Lula e pelo PT como exemplo de administração para o governo federal. A petista foi responsável pelo planejamento das gestões e pelas obras na cidade.

A futura ministra integrava a chamada turma do ABC, composta por técnicos e sindicalistas que se revezavam nas prefeituras petistas da região. Mesmo no governo federal, Miriam manteve seu vínculo com os petistas do ABC e em 2008 coordenou o programa de governo de Luiz Marinho na disputa pela Prefeitura de São Bernardo do Campo e a equipe de transição.

Miriam ajudou a fundar o partido em Santo André junto com Celso Daniel, seu namorado à época, e trabalhou na organização do diretório. Com a vitória de Celso Daniel na disputa pela Prefeitura de Santo André em 1988, ela coordenou a "sala de situações", responsável pela articulação dos projetos de todas as áreas. Miriam definia as ações para o mandato inteiro e acompanhava o andamento das obras.

Miriam e Celso Daniel casaram-se em 1987, ano anterior à vitória do governo municipal. O casamento durou até 1993, antes do segundo mandato do petista, em 1997. Formada em engenharia de alimentos e com mestrado em administração pública, ela atuou como consultora de governos petistas entre o primeiro e o segundo governo de Celso Daniel.

No segundo mandato em Santo André, Miriam passou pelas Secretaria de Planejamento e de Administração, onde promoveu uma reforma administrativa no governo. Celso Daniel foi reeleito e ela ganhou mais destaque como secretária de inclusão social e habitação, ao idealizar um projeto de urbanização de favelas e regularização fundiária premiado pela ONU.

Ex-secretários municipais que trabalharam com Miriam destacam o trabalho dela no planejamento de longo prazo de projetos e dizem que ela é "afável", mas exigente quanto ao cumprimento de prazos. "Ela tem uma enorme capacidade de gerenciamento", comenta o ex-secretário municipal Antonio Carlos Granado. "É muito leal, de fácil trato, mas sabe cobrar", diz. Teresa Santos, ex-secretária e chefe de gabinete do prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, reforça a "capacidade de organização" de Miriam.

A petista ficou na prefeitura mesmo depois do assassinato de Celso Daniel, em 2002, mas deixou a gestão com a vitória de Lula naquele ano para integrar o governo federal.

Paralelamente ao governo municipal, Miriam esteve na linha de frente do planejamento de campanhas eleitorais. Em 2002, trabalhou com Celso Daniel, coordenador da campanha de Lula em 2002, na construção do programa de governo. Com o assassinato do prefeito, Antonio Palocci assumiu a coordenação.

Pela experiência em Santo André, Miriam foi levada por Lula para participar da equipe de transição e nomeada assessora especial. Pelas mãos de José Dirceu, então ministro da Casa Civil, passou a integrar o ministério e ocupar o cargo de subchefe de avaliação e monitoramento da Pasta, onde continua. No plano federal, atuou nas mesmas áreas em que se especializou nas gestões municipais - social e de infraestrutura - e comandou tarefas essenciais para o governo Lula, como a estruturação do Bolsa Família e a gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No Ministério do Planejamento, deve gerenciar o PAC 2 e o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

A futura ministra é uma funcionária da burocracia partidária. Segundo pessoas que trabalharam com Miriam e Dilma Rousseff, a presidente eleita e a futura ministra mantêm uma "relação cordial e profissional", que se aprofundou nos últimos três anos na gestão do PAC. Miriam, entretanto, não tem com Dilma a mesma proximidade mantida com Lula.

O escândalo do mensalão, que resultou na exoneração de Dirceu, alçou Dilma à chefia da Casa Civil, para onde levou Erenice Guerra como sua secretária-executiva. Dilma manteve Miriam na Pasta e, a partir de 2006, as duas começaram o PAC. Miriam foi nomeada em 2007 secretária-executiva do programa e, com a saída de Dilma, passou a ser coordenadora-geral do PAC e conduzir as reuniões com os ministros, governadores, prefeitos e empresas. "Nesse assunto, a Miriam é a Dilma da Dilma", afirmou um ministro.

Integrantes do governo e do PT esperavam que Miriam fosse indicada para a Casa Civil quando Dilma desincompatibilizou-se para candidatar-se, mas a escolhida foi Erenice Guerra. Quando Erenice foi exonerada, por suspeita de tráfico de influência, houve nova pressão para que Miriam assumisse o cargo. Ela, no entanto, não quis a função.

Desde a morte de Celso Daniel, há oito anos, Miriam é apontada pelo PT de Santo André como possível candidata à prefeitura, mas sempre se negou a disputar o cargo. "Ela é sempre lembrada, mas diz que não tem a mínima vontade", diz o presidente do diretório municipal, Luiz Turco.

A recente retomada do julgamento do assassinato de Celso Daniel pode resvalar na futura ministra. O irmão do prefeito morto, João Francisco Daniel, chegou a apontar Miriam como conhecedora do esquema de corrupção que supostamente funcionava em Santo André e que estaria ligado à morte do prefeito. Em depoimento ao Ministério Público, ela negou a participação no caso. Dirigentes do PT apostam que dificilmente Miriam será vinculada ao caso e negam que o julgamento possa prejudicá-la.