Título: 57,7% das famílias estão endividadas
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 21/07/2010, Economia, p. 12

Estudo da CNC mostra que estímulos fiscais levaram os trabalhadores a se comprometer com pagamentos pouco usuais no primeiro semestre

Além da retração dos preços de vestuário e de alimentos, anunciada na véspera da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que vai decidir o tamanho do aumento da taxa básica de juros (Selic), o Banco Central (BC) teve outra boa notícia ontem. O consumo está se acomodando por causa do comprometimento maior da renda dos trabalhadores com dívidas a redução do espaço para compras ajuda o BC a controlar a inflação. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), o total de famílias brasileiras endividadas em julho atingiu 57,7%, num avanço de 3,7 pontos percentuais sobre o nível de junho (54%).

Os estímulos fiscais oferecidos a determinados setores de bens de consumo duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, levaram o consumidor a antecipar as suas compras e a se comprometer com dívidas pouco comuns no primeiro semestre do ano, época em que, normalmente, boa parte do orçamento familiar é reservada ao pagamento de impostos e de despesas escolares. Além da antecipação de gastos e do consumo muito forte no início do ano, as famílias foram surpreendidas pela inflação de produtos alimentícios no primeiro semestre, fato que apertou ainda mais o bolso, explicou Bruno Fernandes, economista da CNC.

As despesas com alimentação, que têm maior peso no orçamento das famílias de menor renda, prejudicaram a disponibilidade de recursos dessa faixa de renda, numa proporção maior do que a do grupo com ganhos superiores a 10 salários mínimos, segundo avaliação de Fernandes. Em função disso, as pessoas de rendimentos mais baixos foram as que puxaram o aumento da inadimplência, afirmou.

Além do avanço no comprometimento de renda, a pesquisa aponta que 8,9% do total de famílias endividadas não terão condições de honrar as dívidas. A trajetória futura dessa inadimplência, no entanto, deve se reverter. Assim como o aumento nos alimentos foi pontual, a inadimplência também. Já o endividamento deve continuar forte, avaliou.

Com a redução do orçamento disponível para os gastos, o consumo deve ficar menos aquecido, cenário que não poderia ser melhor para o BC, que já precisou elevar a Selic de 8,75% para 10,25% desde abril para conter os preços. A menor demanda interna tende a diminuir as importações, o que melhora as contas externas. Assim, a cotação do dólar(1) fica menos pressionada. Isso tudo provoca menos inflação.

Outras pesquisas confirmam o forte comprometimento da renda do brasileiro com dívidas. Levantamento da Fecomércio em São Paulo mostra que o endividamento médio das famílias paulistanas aumentou para 52% em julho, maior nível do ano. No mês passado, o indicador era de 42%.

Intenções Enquanto os débitos comprometem o orçamento doméstico de quem ganha menos, a intenção de consumir cresce entre as classes de renda superior. De acordo com Fábio Bentes, também economista da CNC, a perspectiva de continuar aumentando o consumo subiu 0,3% entre as famílias brasileiras, desempenho impulsionado pelos grupos com rendimento maior que 10 salários mínimos.

O Centro-Oeste é a região que mais puxa esse índice, dado o crescimento do emprego num ritmo maior do que a média nacional. Mais uma vez, as famílias de menor renda tomam a direção contrária, com menor intenção de aumentar gastos.

Outra região que também impulsiona o índice de intenção de consumo, explicou Bentes, é o Sul do país. Naqueles estados, no entanto, o fator que mais torna os compradores otimistas é o crescimento da renda. Para o futuro, o pesquisador acredita que a propensão a comprar se mantenha tanto nas classes mais altas quanto nas baixas.

1 - Importações A taxa cambial é um importante mecanismo de transmissão da inflação e faz parte das avaliações do Banco Central na definição da política de juros. Como muitos insumos usados na fabricação de produtos nacionais são trazidos de fora do país, quanto mais aquecida está a demanda interna, mais é necessário importar.

Cheque sem fundo diminui A inadimplência nos pagamentos com cheque diminuiu no primeiro semestre na comparação com igual período do ano passado. De acordo com levantamento feito pela empresa de consultoria Serasa Experian, foram devolvidos 10,5 milhões de documentos por falta de fundos. O número correspondeu a 1,87% dos 560 milhões de emissões no período. De janeiro a junho de 2009, o retorno alcançou 2,3% em 618 milhões.

O assessor econômico da Serasa Experian Carlos Henrique de Almeida disse que os consumidores estão migrando para os cartões de crédito e de débito pela facilidade que encontram para rolar dívidas, com a opção de pagar uma quantia mínima. Na avaliação do analista, essa possibilidade implica risco de maior endividamento por causa dos altos juros cobrados pelas operadoras. Segundo Almeida, os cheques ainda são bastante utilizados fora dos grandes centros urbanos.

Empréstimo mais salgado

As médias dos juros dos empréstimos pessoais e do cheque especial subiram em julho pelo terceiro mês consecutivo. Segundo pesquisa divulgada ontem pelo Procon de São Paulo, a taxa média mensal dos empréstimos aumentou de 5,28% para 5,42%. Os juros do cheque passaram de 8,9% para 9,06%. Dos nove bancos incluídos no estudo, quatro elevaram os encargos cobrados nessa modalidade de crédito (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Unibanco). Três encareceram as operações pessoais (BB, Bradesco e HSBC).

De acordo com o órgão de defesa do consumidor, a média das taxas subiu em julho mais do que em meses anteriores. Isso ocorreu, em primeiro lugar, devido aos aumentos feitos pelas instituições financeiras, mas também pela exclusão da Nossa Caixa da pesquisa. Incorporado pelo BB em 25 de junho, o banco oferecia aos clientes os juros mais baixos entre os consultados pelo Procon.