Título: Fazenda de Canhedo é vendida em leilão por R$ 430 milhões
Autor: Adriana Aguiar
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2010, Legislacao e Tributos, p. E1

"Doutor Wagner, temos um problema: a fazenda foi vendida". A frase foi dita pelo advogado Carlos Campanha ontem por volta das 15h30, ao seu cliente, o antigo dono da Vasp. Ao conhecido empresário, Wagner Canhedo, ele contou, pelo celular, o resultado da última tentativa de leilão da Fazenda Piratininga, um gigantesco complexo agropecuário de 135 mil hectares na fronteira entre Goiás e Tocantins. A propriedade foi vendida por R$ 430 milhões ao Grupo Conagro, o único a dar um lance. A propriedade havia sido sido avaliada em R$ 615 milhões.

O sucesso do leilão representa um marco histórico para o país, pois é a primeira vez que um grupo de trabalhadores de uma empresa falida, no caso a Vasp, receberá parte de seus créditos fora do processo falimentar. O dinheiro arrecadado com a venda será destinado aos cerca de oito mil ex-empregados da companhia aérea, cuja falência foi decretada em 2008.

Em um auditório com cerca de 60 pessoas, o leilão foi aberto por volta das 14h30 e durou pouco menos de uma hora. Tempo suficiente para que cenas inusitadas pudessem ser observadas. Coordenado por Antonio Carlos Seoanes, do Serrano Leilões Jucidiais, e outros 11 leiloeiros, o evento foi aberto com o lance mínimo e parecia que terminaria por ali mesmo, pois passados mais de 15 minutos, nenhum interessado havia aparecido. Sem lances, o leiloeiro anunciou que aguardaria outros 20 minutos e, caso não aparecessem interessados, daria o evento por encerrado. A essa altura, o advogado de Canhedo liga para seu cliente e diz que por enquanto não há interessados.

De repente uma movimentação entre os presentes. Um senhor se levanta da plateia, dirige-se à mesa e conversa com a juíza Elisa Maria Secco Andreoni, que atua no Juízo Auxiliar da execução trabalhista, e responsável pela marcação do leilão. O leiloeiro afirma que se a fazenda não fosse vendida naquela data, o valor mínimo do lance não seria reduzido em um próximo leilão. "Podemos até aumentar, caso haja uma nova avaliação", disse. O senhor que se manifestou, acompanhado por outro homem, dá um único lance, no último segundo do leilão, e arremata a propriedade. Ele é aplaudido pela aquisição, mas faz mistério sobre o grupo que comprou a fazenda. Pede para que se aguarde a chegada do diretor do conglomerado.

O fim do mistério, porém, demorou quase uma hora para ser desfeito. Quem adquiriu a Fazenda foi o Grupo Conagro, formado por empresas que atuam na cadeia produtiva do agronegócio brasileiro e mundial. Segundo o diretor presidente do grupo, Francisco Garcia Vivoni, a empresa nasceu em Londres em 2005 e foi fundada no Brasil em 2007. A companhia brasileira, no entanto, só tem uma participação minoritária no grupo inglês, de acordo com Vivoni. Para ele, essa é "a primeira aquisição de muitas". E viram no leilão "uma oportunidade de negócios". Vivoni afirma que o grupo, no entanto, não tinha participado do primeiro leilão em razão das pendências judiciais que envolviam a propriedade.

Com o leilão encerrado, o segundo passo seria o pagamento naquele momento de um percentual do valor. Segundo as regras do leilão, 15% da venda deveria ser paga à vista. No entanto, o grupo tentava negociar o pagamento total em 20 dias. A juíza responsável, porém, não aceitou a proposta e oito policiais ficaram na porta do auditório, até que todo o percentual fosse quitado, conforme previsto nas regras do certame.

A juíza Elisa Andreoni afirmou que agora marcará reunião com o Ministério Público para definir como serão feitos os pagamentos aos trabalhadores. "Não vamos privilegiar nem sindicatos, nem escritórios". Ela afirma que não se sabe o total da dívida, mas acredita que esse valor dê para pagar pelo menos o principal dos cerca de oito mil trabalhadores que ficaram sem receber. "Alguma coisa deve ser paga ainda no ano que vem. Queremos começar a habilitar os trabalhadores a partir de fevereiro", disse.

Após o certame, contente, a juíza chamou os funcionários do Juízo Auxiliar de execução, conhecida como Vara Vasp. "Vocês não vão me dar parabéns?", brincou. Segundo a coordenadora do Juízo Auxiliar de execução da Vara Vasp, Meyrimar Urzeda "é a concretização de um trabalho, o que é esperado de toda execução. Além de ser um precedente histórico". Segundo uma funcionária do tribunal responsável pelos leilões, foi sem dúvida a maior venda já promovida pela Justiça Trabalhista de São Paulo.

Uma das ex-funcionárias da antiga companhia aérea também comemorou. "Essa juíza abraçou a causa dos trabalhadores, o que a Vara de Falências do Tribunal de Justiça não fez", afirma Marta Perucci, que atuava como gerente de base da Vasp em Campinas. Ela afirma que a Vasp ficou devendo a ela 11 meses de salário. "Soube de um ex-funcionário que se matou".

Em meio à comemoração, o advogado de Canhedo, Carlos Campanha, chegou a dizer para os compradores da fazenda que o leilão estava suspenso por uma medida liminar. Nesse momento, a juíza Elisa foi ao advogado e perguntou se ele sabia que poderia sair preso dali. "Por favor, se quiser ficar, sente-se e aguarde em silêncio". O advogado se retirou do auditório. Lá fora, informou que deve recorrer novamente para tentar impugnar o leilão. A defesa chegou a tentar suspender novamente o leilão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não obteve sucesso.

Os advogados do Sindicato dos Aeroviários do Estado de São Paulo, Carlos Duque Estrada e Francisco Gonçalves Martins, comemoraram a venda. "Isso confirma a minha crença de que o Judiciário ainda funciona", afirmou Martins. "É um marco histórico para os trabalhadores, que deve servir de exemplo para todo o Brasil", acrescentou Duque Estrada.