Título: Megaoperação intensifica reação do Rio à violência
Autor: Moura, Paola; Ennes, Juliana
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2010, Brasil, p. A4

Do Rio

O quarto dia de confrontos no Rio de Janeiro foi marcado pela ofensiva do governo estadual em áreas controladas pelo tráfico, em uma operação sem precedentes, com apoio da Marinha. Ao mesmo tempo, os ataques contra automóveis , ônibus e postos da da Polícia Militar se espalharam por diversas regiões da cidade, com concentração maior nas zonas oeste e norte. O medo da população atingiu em cheio o comércio, que já calcula perdas da ordem de 30% do faturamento.

Na zona norte, a guerra entre facções criminosas e a polícia se acirrou na região da Penha, onde aconteceu a ocupação da favela Vila Cruzeiro, uma das mais perigosas da cidade. Oito pessoas morreram nos confrontos. Na operação, a polícia contou com a ajuda de blindados da Marinha, conduzidos por fuzileiros navais.

O secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, disse que a conquista da Vila Cruzeiro foi um passo importante, mas não definitivo. "Ainda não há nada a comemorar", disse o secretário, que reafirmou a decisão de manter a política de ocupação das favelas, iniciada há dois anos.

"É importante prender as pessoas, apreender drogas, mas o mais importante é tirar seu território", afirmou. "Vocês viram a condição vulnerável que essas pessoas ficam quando é tirado seu território", disse, referindo-se à fuga em massa dos traficantes da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão. De acordo com o secretário, além da ajuda da Marinha, o Estado conta com o o apoio de 300 policiais federais, que estão aquartelados em batalhões da Polícia Militar, prontos para trabalhar nas operações.

A Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) informou que ontem houve perda de 30% no faturamento do comércio de rua, o dobro do dia anterior. Daniel Plá, diretor da ACRJ, está preocupado com o pequeno empresário. "Com uma queda tão grande no faturamento, será necessário buscar empréstimos nos bancos para garantir a folha", afirma . Plá conta também que as ruas ficaram mais vazias e muitos vendedores passaram os dias de braços cruzados. "Até a Saara [comércio popular do Rio] ficou vazia numa época pré-Natal", disse o diretor da entidade.

Outro setor afetado, o de bares e restaurantes, também sofreu com a falta de funcionários. "Como muitos temem o deslocamento pela cidade , ou deixar a família em casa sozinha, não vieram trabalhar", relata Pedro De Lamare, dirigente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes (SindRio). Ele avalia que o número de trabalhadores ausentes atinja 10% do pessoal e que o faturamento caia até 20%.

Para De Lamare, apesar das imagens dos confrontos entre a polícia e os traficantes, elas também mostram aos turistas que está havendo um combate efetivo ao tráfico e que o Estado está ocupando a cidade. "Tudo depende de como a mídia no exterior vai repercutir os fatos", disse o dirigente.

Por enquanto, outras indústrias ainda não foram tão afetadas, mas estão preocupadas com os funcionários. A Contax, maior empresa de telemarketing do país, decidiu liberar os empregados em oito centros de atendimento da cidade. As ligações foram desviadas para atendentes em outros Estados.

Na construção civil também há um grande índice de faltas. Segundo o presidente da construtora Mudar, Augusto Martinez de Almeida, como muitos trabalhadores moram em áreas afetadas pelos conflitos, é natural que nesse momento cresça o número de ausentes. Apesar disso, acha que isso não afetará o setor. "Cinco dias com um pequeno atraso na obra não significam prejuízo."

Algumas empresas, como Petrobras, Michelin e L"Oreal , liberaram parte dos funcionários mais cedo, de acordo com decisão tomada pelas gerências. A UERJ, universidade estadual localizada na zona norte, optou por suspender as aulas. Várias escolas fecharam as portas no município do Rio e em São Gonçalo. Levantamento da Secretaria de Educação informou que 17 escolas e 12 creches, a maior parte na zona norte, não funcionaram, deixando mais de 12.400 estudantes sem aulas.

Pelo menos 115 ônibus ficaram sem circular na região da Penha, onde fica a Vila Cruzeiro. Até o início da noite de ontem, pelo menos 18 veículos - entre eles três ônibus e uma van - já haviam sido destruídos por incêndios.

A Secretaria municipal de Saúde suspendeu cirurgias marcadas nos hospitais Salgado Filho, no bairro do Méier, Souza Aguiar, no centro da cidade, Miguel Couto, no Leblon, e Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, para deixar os centros cirúrgicos disponíveis para atender vítimas dos conflitos.

No fim do dia, os moradores do Rio enfrentaram outro problema: a volta para casa. No centro da cidade, havia filas nos pontos de taxi desde o meio da tarde. Os pontos de ônibus começaram a ficar lotados antes das 17h, porque muita gente foi embora para casa mais cedo. Muitos reclamaram do número menor de lotações, principalmente para os destinos mais afetados pelos confrontos entre policiais e traficantes.

O metrô também foi afetado e as estações já estavam superlotadas no meio da tarde. Apesar de o site da CET-Rio, companhia responsável pelo gerenciamento do trânsito na cidade, informar que a situação era normal na maior parte da cidade, blitze realizadas pela Polícia Militar atrapalharam o fluxo de carros em diversos pontos da cidade (Com agências noticiosas)