Título: Brasil-EUA: mais do que mil palavras
Autor: Meiman, Kellie
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2010, Opinião, p. A15

Uma foto vale mil palavras. Primeiro, é preciso lembrar aquela dos presidentes Obama e Lula abraçando-se durante o encontro do G-20 em Londres, em abril de 2009, quando Obama disse que Lula "é o político mais popular na Terra" e "esse é o cara". Essa imagem - amplamente reproduzida tanto no Brasil como nos EUA - representa as esperanças coletivas de muita gente nos EUA e no Brasil, de que nosso relacionamento bilateral poderia alçar-se a um novo nível de parcerias.

Corte rápido para a Coreia, novembro de 2010. A foto do presidente Obama e de Lula cumprimentando-se por ocasião do mais recente encontro do G-20 assemelha-se a um instantâneo de um casal num "encontro às cegas" arranjado por seus avôs bem intencionados. Eles sentem que deveriam gostar um do outro, mas, em última instância, a centelha está ausente.

Por que não?

Além das disputas mais recentes sobre a injeção, pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) de US$ 600 bilhões na economia americana com a política de flexibilização quantitativa, o relacionamento entre Lula e Obama foi minado, durante os primeiros dois anos, por uma sequência infeliz de eventos.

De divergências políticas sobre como gerenciar o golpe em Honduras a erros de comunicação sobre a instalação de bases americanas na Colômbia, a um aquecimento do relacionamento brasileiro com o Irã - questões espinhosas revelaram-se abundantes, tendo nossa capacidade de gerenciar rapidamente esses desafios permanecido enfraquecida, durante o primeiro ano do governo do presidente Obama, por atrasos do Congresso na aprovação do amplamente respeitado e extremamente talentoso Tom Shannon para embaixador dos EUA em Brasília. Talvez as cicatrizes mais duradouras persistam devido à permanência da divergência entre os EUA e Brasil sobre eficácia versus futilidade de sanções como uma ferramenta para efetivar mudanças políticas significativas no Irã.

Ao mesmo tempo, esses dois anos ofereceram numerosos exemplos de colaboração positiva entre nossos governos. No Haiti, as autoridades militares brasileiras estavam mais bem posicionadas no interior do país e puderam orientar nossa reação conjunta ao devastador terremoto em janeiro. Em importante iniciativa inédita, nossos países recentemente concluíram um acordo bilateral de defesa, bem como a reforma institucional avançada do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

Nossos negociadores comerciais chegaram, em julho, a uma resolução, ainda que temporária, bem-sucedida, para a disputa, na Organização Mundial do Comércio, sobre o programa de subsídios americano ao algodão, evitando assim devastadoras tarifas retaliatórias.

Olhemos para além da relação entre governos. Nesse mesmo prazo de dois anos, os EUA continuaram sendo o maior investidor estrangeiro individual no Brasil e pela primeira vez o investimento estrangeiro brasileiro nos EUA ultrapassou os investimentos dos EUA no Brasil. Na área rural do Colorado e em St Louis, no Missouri, o português é hoje uma língua franca, tendo a JBS e a AmBev, respectivamente, investido pesado nessas comunidades. Com o crescimento do investimento brasileiro nos EUA, aumentou, nos EUA, a apreciação da música, cultura e gastronomia brasileiras. As supermodelos brasileiras têm se casado com nossos astros dos esportes. Em resumo, embora nossa relação bilateral oficial possa ter tido uns anos atritados, há aspectos para otimismo e nossos setores empresariais e nossos povos se aproximaram.

Com a proximidade de um novo governo no Brasil, surgiram novas oportunidades. Sim, o governo Rousseff vai manter grande parte da orientação do governo Lula, e até mesmo alguns dos membros do mesmo ministério, como Guido Mantega, nas Finanças - em evidência por suas advertências sobre "guerra cambial". Todavia, em relações diplomáticas, progressos significativos pode ser feito com pequenas aberturas. O convite pessoal do presidente Obama para que a presidente eleita viaje a Washington para um encontro reservado, e não para apenas mais uma informalidade, é uma sinalização importante.

Mais importante ainda é o fato de os EUA realmente compreenderem a importância do Brasil para os assuntos regionais e mundiais. Em outras palavras, para compreender direito o mundo, os EUA têm de compreender direito o Brasil. Ao oferecer um encontro privado e pessoal, o presidente Barack Obama está sinalizando de uma maneira séria que quer estabelecer uma parceria construtiva e melhorada com o Brasil como uma potência emergida - e não emergente.

Na minha opinião, muitos dos descompassos da relação bilateral durante os dois primeiros anos do governo do presidente Obama estão relacionados com a transição do Brasil e dos EUA para a nova ordem mundial. Por seu lado, o Brasil vem encontrando o seu caminho preferido como potência emergida, com plenos de direitos e responsabilidades na cena política e econômica mundial. Ao mesmo tempo, os EUA vêm se ajustando à melhor forma de relacionar-se com um Brasil emergido.

Com um novo nível de profundidade, ambas as partes parecem reconhecer os limites e as oportunidades inerentes à nossa relações bilaterais. Raramente concordaremos em tudo, mas temos de manter nossas consultas íntimas - com dedicação pragmática à democracia, justiça, direitos humanos e paz - principalmente. Não será um único encontro que mudará o mundo. Mas o presidente Obama está sabiamente oferecendo sua mão aberta à presidente eleita Dilma Rousseff em um espírito de parceria. Esperemos que esse encontro possa ser o primeiro dia do resto da nossa relação - um relacionamento onde os EUA não esperam necessariamente que o Brasil vá seguir seu exemplo, mas onde o Brasil não temerá seguir orgulhosamente os EUA quando for o caso - e vice-versa. Há muito em jogo na geopolítica do mundo e entre os nossos países, economicamente, para não tirar o máximo proveito dessa oportunidade.