Título: Salário no Brasil é o 16º menor entre 49 países
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2010, Brasil, p. A3
Um indiano que trabalha na indústria manufatureira recebe, contando salário e benefícios complementares, o equivalente a US$ 0,58 por hora. Na China, recebe um pouco mais que o dobro - US$ 1,38 por hora trabalhada. Na indústria, entre outros emergentes, os russos e os mexicanos embolsam US$ 2,92 por hora trabalhada. O Brasil, por outro lado, está próximo da Polônia - US$ 5,96 e US$ 6,25, respectivamente. Essa condição de salários e encargos sociais mais elevados, no entanto, não está combinada à facilidade de contratar e demitir, ou à possibilidade de alterar a jornada de trabalho. Num grupo de 183 países, o Brasil ocupa a 151ª posição no quesito rigidez do emprego na indústria.
Esses dados fazem parte do amplo levantamento realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que será divulgado hoje durante congresso que a entidade organiza em São Paulo para cerca de 2 mil empresários e integrantes da equipe do novo governo - o ministro da Fazenda, Guido Mantega, está confirmado. Obtido pelo Valor, o estudo relaciona as condições de acesso e custo do capital e da mão de obra na indústria em diferentes países.
"A combinação entre custos elevados para contratação e manutenção de pessoal e enorme rigidez nos contratos, que não são flexíveis, coloca o Brasil em uma situação complexa para ampliação de pessoal", diz José Augusto Fernandes, diretor-executivo da CNI.
Enquanto na Austrália os operários da indústria recebem US$ 30 por hora trabalhada, o que coloca o país na 39ª posição dentre 49 relacionados nessa categoria, os australianos lideram 183 países quando o quesito é rigidez do emprego. Fernandes explica que países como Austrália contam com "flexibilidade trabalhista setorial", isto é, contratos de trabalho específicos para o setor de serviços, comércio e indústria. "No Brasil a situação é a mesma para uma companhia intensiva em capital e para uma micro empresa de cinco funcionários", critica Fernandes.
Para David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade da UFRJ, a valorização da taxa de câmbio é "central" para entender a comparação entre os custos com os países, além, é claro, dos encargos trabalhistas e sociais de cada nação. Como a taxa de câmbio brasileiro foi uma das que mais se valorizaram no mundo, desde o início da recuperação global, a partir do segundo trimestre de 2009, os preços relativos aumentaram.
Em parte, avalia Kupfer, as conquistas salariais em setores mais tradicionais da indústria, como metalúrgicos e petroleiros, refletem, ainda, a recomposição do que foi "perdido" nos anos 1990, quando os reajustes seguiam apenas a inflação. "Os custos estão pressionados não porque os salários estão em alta, mas porque as condições gerais não melhoram, como o câmbio, que continua se valorizando, os gastos com energia e infraestrutura e condições de financiamento e taxas de juros elevadíssimas."
O Brasil ocupa a última posição dentre os 54 países levantados pela CNI no critério taxa de juros real de curto prazo, que corresponde à taxa de operações de crédito do Banco Central. Enquanto nos países que fazem parte do acrônimo Bric ao lado do Brasil - Rússia, Índia e China - os juros reais de curto prazo estão negativos, diante de uma combinação entre taxas baixas e inflação elevada, no Brasil os juros estão em 14% ao ano. Além disso, o país ocupa a penúltima colocação no ranking de 129 países no quesito spread entre as taxas de juros captadas e cobradas pelo sistema bancário - 35,6%. Na China, 25ª colocada, o spread é de 3,1%.
Parte disso é compensado pelo mercado de capitais, que no Brasil é mais sofisticado que na China e Rússia, por exemplo, onde a maior parte das ações negociadas referem-se às estatais. Nesse quesito, segundo levantamento da CNI, o Brasil ocupa uma posição intermediária - 61º lugar entre 133 países levantados.
"Um dos maiores desafios do novo governo está em solucionar essa questão dos juros elevados, que impactam toda a atividade produtiva", diz Fernandes, da CNI, para quem pequenas reformas, como a aprovação do cadastro positivo pelo Congresso e o fim da indexação residual na economia, permitiram ao Estado ser mais "firme" na redução dos juros.
O maior perigo, avalia Kupfer, está na "perenização" das atuais condições de financiamento e operação, para a indústria. "Se o governo sinalizar que vai reverter a valorização do câmbio e reduzir as taxas de juros, ainda que de maneira gradual, o empresário pode segurar mais tempo com custos elevados de mão de obra e empréstimos caros, mas se a indústria sentir que não há escapatória, pode parar de produzir", raciocina Kupfer. Para ele, o segmento industrial que atualmente "sobrevive melhor" é aquele ligado à baixa intensidade tecnológica. "Aquele intensivo em capital e mão de obra, especialmente o tradicional, como calçados e têxteis, está sofrendo muito", diz Kupfer.
Nas pesquisas internas que produz com segmentos industriais associados, o diretor-executivo da CNI avalia que os empresários estão "muito otimistas" quanto à capacidade do governo em reverter às condições "péssimas" para o investimento. "Resta saber se de fato será feito", diz Fernandes.