Título: Apesar de temerem excessos, analistas reconhecem nova postura nas operações
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2010, Brasil, p. A5

A ação conjunta das polícias do Rio de Janeiro e das Forças Armadas na tentativa de prender homens armados que se entrincheiraram no Complexo do Alemão (zona norte) reavivou temores de que nada de estrutural aconteça e que os direitos dos moradores locais sejam desrespeitados. Só que, dessa vez, vários analistas temperam esse alerta com a percepção de que há uma diferença na postura do aparato de segurança.

Ainda que emergencial, a ação de domingo estaria inserida na política de implantação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas do Rio. "Hoje é possível conceder o benefício da dúvida", disse ao Valor o advogado José Marcelo Zucchi, do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Zucchi postou no seu blog um texto intitulado "Além da Dor", no qual explicita as razões pelas quais considera que as ações de agora são diferentes de outras do passado, como, por exemplo, a invasão do mesmo Complexo do Alemão em 2008, com saldo de 19 mortos. Para o advogado, "o alerta sobre as possibilidades de desvios" que possam ocorrer "não deve nos obstruir no discernimento para reconhecer quando algo diferente acontece".

Na avaliação de Zucchi, a operação em curso "traz a lógica da pacificação". Por essa política, segundo sua análise, as forças policiais chegam às comunidades pobres como um serviço público de proteção, ao qual o cidadão tem direito, e não como uma invasão com o objetivo de segregar aquela área da cidade.

Especialista em segurança pública, Julita Lemgruber se diz surpresa com o resultado da operação. "É louvável que não tenha havido baixas. Foi um alívio." Para ela, isso mostra que "a polícia do Rio virou a página. Mas agora temos que olhar o Estado. Temos 116 áreas dominadas. Isso não nos permite comemorar".

Diretora-geral do sistema penitenciário do Rio entre 1991 e 1994, Julita, que acaba de lançar o livro "A Dona das Chaves, uma Mulher no Comando das Prisões do Rio", no qual relata sua experiência, critica a falta de presídios de segurança máxima no Rio. "Todos os Estados precisam se instrumentalizar para manter presos de alta periculosidade", afirma. "Ficar circulando com essas pessoas não é viável."

Do ponto de vista legal, a operação no Alemão está apoiada na Constituição, diz o promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Paulo César Corrêa Borges. "Quando há uma situação de estado de caos e há crime em curso, a legislação prevê a prisão em flagrante", explica. "E se algum policial invadir a casa de uma pessoa que não for traficante, sua conduta é justificada pela situação de emergência", diz o advogado. No entanto, depois de passada essa fase, os juristas dizem que não é mais possível a invasão de domicílios, segundo Corrêa Borges. "Não há um consenso, mas o que vem sendo julgado é que é necessário um mandado."

Ignácio Cano, cientista político da Uerj, é uma voz dissonante, com ressalva. Ele diz que a operação é um retrocesso à velha política de invadir para retaliar ações dos traficantes. "O que a polícia devia ter feito era investigar os responsáveis pelo ataques e prendido os bandidos em regime especial", analisa. "Mas o pânico gera uma cobrança da população e a operação atual gera um impacto maior na mídia."

Cano agora cobra das autoridades a não repetição das invasões anteriores, como a de 2007, quando depois de hastear bandeira, a polícia saiu da Vila Cruzeiro e os traficantes tomaram conta da região novamente.

Ele reconhece que a invasão no Alemão foi muito cuidadosa. "Não houve banho de sangue. O esperado não se concretizou. Mas na quinta-feira, a Polícia Civil matou sete no Jacarezinho. Convivemos com duas polícias diferentes." O professor explica que a morte de dezenas de bandidos também não seria positivo para a imagem internacional do Rio num momento em que os olhos estão voltados para a cidade, por conta da Copa do Mundo e da Olimpíada.

Maurício Campos, membro da organização não governamental Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, pede prioridade ao combate ao tráfego de armas. Para ele, os organismos de defesa dos direitos humanos deveriam ter sido convidados a acompanhar de perto a ação.

Segundo Campos, a organização da qual participa pretende encaminhar ao Ministério Público informações que está recebendo de que estariam ocorrendo arbitrariedades na ação policial nas ações iniciadas quinta-feira passada, especialmente na favela do Jacarezinho (zona norte), onde ocorreram sete mortes.

No segundo dia de ocupação no Complexo do Alemão, a polícia começou a revista nas casas dos moradores das favelas. Alguns reclamam de violência e o helicóptero usado para recolher drogas destruiu parte de uma casa. Desde quarta-feira, quando houve a invasão na Vila Cruzeiro, a polícia já contabiliza 123 presos e 37 mortos. Ao todo, foram apreendidas 205 armas e 125 granadas. O governador Sérgio Cabral (PMDB) anunciou que a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) será implantada no Alemão em seis ou sete meses. A prefeitura anunciou obras de pavimentação, restabelecimento da iluminação pública, drenagem e limpeza na região.