Título: Múltis investem de olho no suprimento de matéria-prima
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2010, Brasil, p. A3

A indústria de bens de maior valor agregado vem recebendo proporcionalmente menos recursos para investimento externo direto do que no passado. Em 2010, os fabricantes de automóveis, máquinas e de materiais elétricos e de comunicações receberam apenas 3,2% do total recebido pela indústria até outubro de capital externo para investimento produtivo nas operações de participação no capital. O contrário ocorreu nos setores de commodities, que ficaram com 44% do total. Se desta conta for retirado o setor de químicos (que distorce a série de 2010), esses três segmentos representam 77% do total. Para o economista Fernando Sarti, professor da Unicamp, além dos setores produtores de commodities serem percebidos atualmente como muito rentáveis, os investimentos estrangeiros neles refletem a estratégia de multinacionais interessadas em assegurar fornecimento de matérias primas.

Já o quadro para alguns segmentos de manufaturados mais sofisticados tem sido bem menos animador neste ano. "O que me preocupa são alguns setores em que há pouco investimento", diz Sarti, citando o caso do setor de veículos automotores, reboques e carrocerias. De janeiro a outubro, chegaram apenas US$ 210 milhões para o setor nas operações de participação no capital, muito abaixo dos US$ 2,083 bilhões de igual período de 2009. Tampouco os empréstimos intercompanhias (da matriz para a filial) são representativos em 2010, somando US$ 391 milhões de janeiro a outubro.

Para ele, a existência de capacidade ociosa em alguns mercados pode ajudar o baixo volume de investimento estrangeiro neste ano, mas também está possívelmente relacionada à estratégia de algumas empresas de atender à demanda no Brasil com importações de carros de outras unidades no exterior, como do México e Argentina. Sarti acredita que o câmbio valorizado é uma das "variáveis-chave" para entender esse movimento.

O economista Edgard Pereira, da Edgard Pereira & Associados também vê o dólar barato como elemento importante, por "mexer com toda a estrutura de custo e a rentabilidade do investimento". Carga tributária elevada e custo de capital alto completam o quadro adverso.

Outro setor de manufaturados que está longe de despertar o entusiasmo do investidor estrangeiro é o de máquinas e equipamentos. De janeiro a outubro, o segmento recebeu apenas US$ 248 milhões, abaixo dos já esquálidos US$ 390 milhões do mesmo período de 2009 nas operações de participação no capital. As empresas de máquinas e equipamentos têm sofrido muito com a concorrência externa, dado o nível do câmbio. De janeiro a outubro, o volume de importações de bens de capital cresceu 42,1%, segundo números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex) calculados a partir das estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Os investimentos estrangeiros diretos foram mais elevados no setor de produtos químicos: US$ 6,594 bilhões de janeiro a outubro, 42,7% do total destinado à industria, um dado fora do normal para este setor e que distorce o resto da série. Trata-se de um segmento amplo, em que há desde produtos produzidos com maior sofisticação tecnológica até outros que são intensivos em capital, mas de baixa tecnologia, diz Pereira. O BC não informa, de modo desagregado, quais dos subsetores de produtos químicos recebem o dinheiro e nem se ocorreu uma operação específica este ano que explique o valor tão expressivo. Sarti, contudo, observa que se trata de um segmento voltado basicamente para o mercado interno. Segundo ele, "não faz sentido" pensar que esses investimentos se destinam a usar o Brasil como plataforma de exportação.

Outro setor com destaque neste ano é o de produtos de minerais não metálicos. Trata-se de um segmento de manufaturados de pouca sofisticação tecnológica, que recebeu US$ 1,146 bilhão de janeiro a outubro deste ano, quase seis vezes mais que no mesmo período de 2009. As perspectivas extremamente favoráveis para a construção civil ajudam a explicar o movimento.

Os estrangeiros também também têm mostrado interesse no setor de produtos alimentícios. Os ingressos para participação no capital totalizaram US$ 948 milhões de janeiro a outubro, pouco mais que o dobro do mesmo período do ano passado, enquanto os empréstimos entre matriz e filial no setor atingiram US$ 3,150 bilhões, 26,4% a mais que em igual intervalo de 2009. É mais um caso em que a robustez do mercado interno, num quadro de renda e emprego em alta, estimula o investimento estrangeiro.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudos das Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Luís Afonso Lima, os resultados ruins do investimento para alguns setores da indústria têm como uma de suas causas o mau momento das economias desenvolvidas, principalmente da Europa, que sempre apostaram nesses segmentos no Brasil. É o caso da Alemanha, tradicional investidor na indústria metal mecânica, diz ele. De janeiro a outubro, os ingressos de investimentos alemães para participação no capital foram de apenas US$ 405 milhões, 83% a menos que nos dez primeiros meses de 2009.